A teoria dos cem dias
Memes são coisas interessantes: idéias inteiramente arbitrárias que se propagam com extraordinária velocidade e às vezes ganham força de verdade. É um conceito mais amplo que o de rumor: o boato refere-se a uma novidade que ainda será anunciada. Um tempo atrás, circulou a meme de que "Crimson and Clover", choroso hit do pop mauricinho dos anos 60, seria do Velvet Underground, a ameaçadora banda de Lou Reed celebrizada por suas canções sobre heroína e sadomasoquismo.
Não foi muito difícil: bastou jogar na net uma mp3 com o crédito errado.
De fato, nem toda meme se pretende "verdade". Vide a ubíquita obra-prima do cinema contemporâneo, All your base are belong to us. Trata-se de uma meta-meme descrevendo a sua própria conquista da Terra. É fabuloso.
Eu suponho que, chegando ao conhecimento de uma grande população em que ninguém tivesse conhecimento de gramática inglesa, passaria por inglês correto, adquirindo estatuto de verdade. Ora, a meme se torna verdade quando se encontra com um deserto intelectual. Não sabendo o suficiente para perceber quando algo recende a bullshit. Aí entra toda a galeria de patranhas que professores de comunicação regurgitam sobre economia, história e política.
Quero crer que a experiência acaba por ensinar aos jornalistas o que eles deveriam ter aprendido durante sua formação. But, to no avail. É impossível que um curso de quatro anos forme especialistas em economia, ciência política, criminologia e futebol. E então os nossos valorosos formadores de opinião se apóiam na opinião dos "especialistas".
Não sou defensor do "senso comum" como parte da cena blogueira liberal. A realidade é freqüentemente contra-intuitiva, e como diz C.S. Lewis, "All your base are belong to us". Er, não, "o que aprendemos da experiência depende do tipo de filosofia que trazemos a ela. Logo, é inútil apelar à experiência antes de elaborarmos, dentro das nossas possibilidades, a questão filosófica."
Ainda assim, surpreende como predominou a teoria dos cem dias. É uma formidável meme Supostamente, todo governo desfruta de cem dias de trégua, ao final dos quais será julgado. Ora, o que vimos foi um grande período de forte excitação política, cem dias antes e cem dias depois da posse, que serão seguidos de três anos de apatia. Lembro, às vésperas da eleição, os cartazes em um dos CA's da PUC: "Só um golpe tira a vitória de Lula". Esse foi o ponto alto da excitação política.
Ainda durante os primeiros dias depois da posse, muito se prestou atenção a cada ação do governo. Os encontros, as decisões na área econômica; Fidel, o primeiro encontro do Copom, foram seguidos com preocupação e interesse. É apenas natural; não havendo precedentes, as pessoas temem ou esperam as mudanças.
Passados os cem dias, acabou a malha fina. A partir de agora, all your base are belong to Lula.
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