Duas palavrinhas sobre a débâcle das reformas
Era impossível não acontecer. O Serra, que era feio mas não era burro, alertou no programa de TV - mas era retórica demais para ser eleitoralmente compreensível. FHC foi eleito em um momento de caos - o próprio Delfim Netto admite que era impossível debater política macroeconômica para o longo prazo naquele momento - e apenas isso explica a maioria que obteve: por um instante, vigorou a idéia que apenas a razão traria alguma estabilidade que permitisse repensar o tal do "projeto para o país".
Acho que é desnecessário especular aqui o que teria acontecido se Lula tivesse sido eleito em 1994. Não haveria Palocci, Meirelles, racionalidade macroeconômica ou Bovespa nos 13000 pontos. É primeiro a estabilidade que permite comparar dois projetos de desenvolvimento para o país - um com déficit e outro com superávit em transações correntes. O debate técnico sobre o papel desse indicador contábil um tanto arcano requer mais tempo, e não é o que me interessa. Para além disso, o Real tencionava ser um plano de política fiscal apertada e política monetária frouxa.
O aperto fiscal nunca aconteceu. E agora o PT admite ou finge que foi uma jogada política. A expulsão de Heloísa Helena pode levar à divulgação de uma fascinante história interna de como o PT flutuou para a outra margem do rio.
Lula foi eleito em 2002 manejando com habilidade um discurso ambíguo. Duda Mendonça é um grande publicitário, e conseguiu mascarar a incompatibilidade fundamental entre os dois discursos que elegeram Lula: o da racionalidade macroeconômica e o do direito natural. A racionalidade macroeconômica ainda ordena o aperto fiscal - ou pelo menos esta é a lição do Real que Palocci optou por seguir - mas o direito natural (e aqui entra a imagem das "conquistas trabalhistas") exige que o que é moralmente certo seja feito a qualquer custo. O Serra advertiu - mas quase que por definição, as massas são impermeáveis à lógica.
Como aprendiz de economista, sou parcial. O jurista assume que o direito emana da personalidade - a criança nasce, e tem direito a trabalhar no futuro, o que implica em desemprego zero. Nós partimos do princípio de que não há direito sem possibilidade. E procuramos encontrar soluções técnicas para expandir a fronteira das possibilidades, embora às vezes isso passe por cima do que a pura lógica do direito natural exige que seja feito.
É um pouco como se eu, ignorando as restrições orçamentárias da família, me ponha a exigir, agora, um Pod da Line6 (processador de efeitos de guitarra) e uma HP 19B (calculadora financeira) - baseado em argumentos do tipo ser um excelente aluno e ter um ouvido musical admirável.
Claro, o que eu deveria fazer é arrumar um emprego.
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