Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

5.12.02



Eu deveria escrever mais. Comecei com a firme resolução de não me permitir escrever demais. Em parte porque, em fim de período, não podia me permitir ficar tempo demais sem fazer nada, ou fazendo coisas que não conduziam a um CR maior.

Fiquei, do mesmo jeito, aprimorando a minha palhetada alternada e correndo atrás da burocracia pra abrir uma conta em uma corretora de ações. No entanto, nada de escrever no blogue.

E bem, isso pode ficar preocupante. Aparentemente, tenho um pequeno número de visitantes fiéis - gente que eu não conheço, com provedores de cidades que nunca visitei, e que volta todos os dias pra ver se algo de novo aconteceu. Vão acabar desistindo se essa pasmaceira continuar.

Parte do conflito que imobiliza o blog é o seguinte: o Amigo Kauffie me adverte contra a autocomiseração juvenil da CT. E eu bem sei que às vezes a auto-indulgência emo pode estar muito abaixo dos limites do bom gosto.

(Literatura emo! Como ninguém pensou nesse conceito antes? O que explica a profusão de histórias estritamente pessoais pela web mais claramente do que comparações com Paris-Texas e Sunny Day Real Estate?).

Há um impasse. Ser grandiloqüente exige tempo de pesquisa, e o tom messiânico acaba soando falso do mesmo jeito. Principalmente em um blog. Ser imediato e emo gera uma grande produção de interesse nenhum.

O que é que eu quero dizer, mesmo?

Então, os Corvus Corax. Eu fico mesmo sem saber se o leitor típico vai pescar as referências. O objetivo final de um blogue seria criar um sistema pivotante de inter-referências , mas eu estou cansado de fazer planos.

O fato é que os Strokes andaram sendo exaltados por aí como salvadores messiânicos, como redentores, como um return-to-basics que tiraria o rock do naufrágio.

Há formas demais de ler isso. Por um lado, mais do que quinze clones de Creed, o sucesso dos Strokes trouxe sustentação material que fará com que a indústria continue investindo em bandinhas por mais algum tempo.

*pausa para aprender o solo de guitarra de "Trying your luck"*

Mas é claro que isso não é o mais importante. Se eu desse a mínima para o futuro econômico das bandas de rock como um todo, adoraria a agonia plastificada do Kurt Cobain.

Strokes é uma banda muito bonitinha. Tem três músicas irrepreensíveis - "Is this it?", "Barely Legal" e "Trying your luck".

Pelo menos na minha cabeça - e é isso que importa, porque este blog é sobre o fascinante universo cultural que é a mente de Diego Navarro - "Trying your luck" conta a história de alguém que tenta se aproximar, conquistar uma pessoa por tédio, por carência, e por tentar o risco. "I'm trying my luck with you".

E se não for, eu não dou a mínima. Aspirante a produtor de cultura, tentei compreender as relações entre obra e interpretação, entre criação e representação, essas coisas todas. Consumidor de cultura, ouço música como um apreciador de queijos.

Bom, de volta ao tópico. A coisa realmente inteligente sobre Strokes é a dialética entre o discurso do world-weary, tirado diretamente do Velvet Underground, e o da fragilidade, que motiva comparações com os geeks do Weezer.

Velvet está vomitado diretamente em "Last Nite" e "The Modern Age". Mais interessantes é a fragilidade que está numa "Trying your luck". Depois de "Paranoid Android", é a música que vem à minha mente quando as pessoas começam a me tratar como um CR ambulante.

O que nos traz de volta ao tema do pessoal versus intelectual. Esta não é a Dialética do Iluminismo de Theodor Adorno, ou o Cânone Ocidental de Harold Bloom. Como a vedete do "TNT Independente", acredito que ninguém vê o mundo como eu vejo, e o tema do blogue é o mundo como idéia, o mundo como representação na minha cabeça.

O fato é que Strokes não é messiânico. Strokes é desesperado. Não num sentido agonia-plática à Nirvana, mas no sentido de abandono completo a alguma coisa que faça algum sentido. Na letra de "Barely Legal" é o sexo, na de "Trying your luck" é o flerte gratuito, mas em todas as músicas, é o abandono com que a música é feita.

Cada nota repetida do riff agudo de "Trying your luck" diz "isto é tudo o que eu sei fazer direito, mesmo".

Corvus Corax é outro jogo inteiramente. Os Corvus Corax não se auto-intitulam salvadores, mas propõem uma ruptura radical com as mitologias que os Strokes abertamente abraçam e fundem. E não usam guitarras.

Strokes, nesse sentido, seriam conservadores. "Trying your luck" um manual de leitura de Burke.

Embora Corvus Corax freqüentemente incorpore a tradição fascista do heavy metal, há um elemento primal, masculino, que se opõe diretamente à sofisticação cultural do mito meramente retórico da violência pela violência do heavy metal. Todo tipo de gente frágil ouve heavy-metal porque transmite força.

Corvus Corax não transmite força. Pelo contrário, dá uma sensação de fraqueza relativa. O ritual fascista da música neo-medieval tem claros os líderes, os objetivos, e a exigência de deixar tudo pra trás. Sem palavras, "Bärentanz" berra "juntem-se à tanzwut, à dança da morte" - às colunas de pessoas que ao saber da peste negra passaram a rejeitar o mundo e dedicar-se a celebrar a vida até as últimas energias.

Só um objeto cultural tão intensamente primal e messiânico como o Corvus Corax pode ser pensado como "salvador". Perto deles, eu e os Strokes somos menininhas frágeis.