Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

26.11.02

As pessoas têm uma relação emocional demais com a chuva.

Há a chuva poética. Em geral experimentada quando a observamos de uma janela, protegidos por uma sala seca. O cinzento do céu nublado se refletindo em cada gota de água que cai, uma sensação de distância, de nostalgia, como se estivéssemos em uma realidade seca fora da realidade concreta e molhada da chuva. Lembro de como me pareciam excitantes umas fotografias em preto-e-branco, muito granuladas de gente correndo pela praça do Kremlin nos dias da revolução de Outubro. Algo tão diferente da pasmaceira, do comodismo, da mediocridade ao meu redor...

Um pouco distinta é a chuva libertária. Afinal, é só água. Andar deliberadamente pela chuva pode ser uma experiência fantástica, algo que te faz sentir livre, algo que te faz sentir vivo, principalmente se houverem pessoas ao teu redor te olhando e achando-te louco. A água. A água. Que parece cair do nada, do vazio, do ar mesmo. Mas a chuva só é libertária até que estamos bem ensopados e os ossos começam a doer.

De qualquer maneira, é radicalmente diferente a sensação da chuva na qual você entra por loucura, por espírito libertário, e a chuva que te pega de surpresa, quando o que mais se queria era estar seco.

A verdade é que a chuva fragiliza. Ela é muito bonita quando estamos sequinhos e protegidos, pode ser excitante por alguns minutos em que optamos pela água. Mas ela incomoda depois de um tempo, incomoda se não nos deixa escapatória, incomoda se sentimos frio, se as roupas aderem ao corpo, se os nossos papéis se transformam em uma única massa de papel molhado. Todas as emoções associadas à chuva poética e à chuva libertária só estão lá porque estamos, em primeiro lugar, desafiando o papel tradicional da chuva de imprevisto indesejável e ao mesmo temos a nossa janela de fuga para o seco a qualquer hora.

O Lula é como a chuva.

A diferença é que só ficaremos nela, compulsóriamente, por um bom tempo. É difícil dizer quando as nossas roupas secarão, depois de quatro anos de chuva. Ou quando os ossos deixarão de doer.