Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

13.12.02

O que eu mais queria neste instante é ser o Brian Scott.

AC/DC ocupa um locus estranho. Não é particularmente inovador, particularmente sofisticado, ou particularmente peculiar. Tem um sabor de óbvio e genérico, mas simplesmente não há um outro exemplo de genérico-hard-rock-AC/DC. Não é apenas o típico caso de inventores de gênero que se tornam genéricos; não há clones de AC/DC como há clones de Black Sabbath, e isso é dizer muita coisa.

Por outro lado, AC/DC é um exemplo eloqüente de como as coisas mais simples, mais anti-cerebrais do rock trazem toda uma bagagem de significados culturais bem mais sofisticados. Quando uma banda se torna tão popular como esta, os significados penetram a consciência coletiva. O uniforme escolar do Angus Young é, antes de tudo, uma referência a uma tradição repressiva da educação britânica. E fica claro, na sua selvageria epiléptica no palco com a guitarra todo um discurso que está espalhado pelo rock - oposição à academia, o rock versus a escola, liberdade versus repressão. Não por acaso existe um filme por aí chamado "Rock'n roll High School", com o Twisted Sister ou o Ramones, não lembro.




Há um outro filme que explicita como pode ser política e revolucionária a sátira e a desconstrução da hierarquia da educação britânica: "If", de Lindsey Anderson. Legítimo representante do free cinema inglês, compartilha com algumas coisas americanas como "A primeira noite de um homem" a subversão declarada, sem meias palavras, de um final desconcertante. Em "If", os estudantes, liderados por Malcolm McDowell (o protagonista de "Laranja mecânica") pegam em armas contra a escola, contra os professores, contra o sistema.

É um filme fascinante, que quase ninguém viu. Mas essa mitologia toda da educação repressiva britânica, do angry young men britânico, e ao mesmo tempo do rock como subversão da academia (we don't need no education) está lá, na presença de palco convulsiva de um guitarrista que por si só não tem nada de especial. Na verdade, bandas como o AC/DC são muito mais interessantes do ponto de vista da crítica de rock do que coisas como Stratovarius - é algo que me deleita, mas que está colocado de forma muito simples e direta numa tradição específica.

Quero crer que em determinado momento o modo industrial de produzir música - com um aparato massivo de propaganda que é capaz de te fazer gostar de qualquer coisa - não torna o mundo da cultura pop determinístico. Eu continuo vendo Strokes como algo que furou o cerco. Algo que traz tantos signficados culturais pendurados em cada pequeno detalhe que se torna popular porque cria uma experiência sofisticada e polissêmica. Nesse sentido enviesado, Strokes é mais herdeiro de AC/DC que de Velvet.

Preciso, um dia, sistematizar todos esses meus conceitos. Me fascina, quando leio Robert Duncan, como ele faz, a partir de manchinhas, um quadro impressionista da zeitgeist de sua época. Nosso tempo não tem um narrador desses. Ah, as ambições...