"- Fazendo bem as contas - reconhece Juan, amargo - não há nada de brilhante em pertencer à cultura pampeira por culpa de um maldito acaso deomgráfico.
- No fundo o que te importa a cultura a que pertences, se assim como Andrés e muitos outros, criaste a tua própria cultura? Te faz mal a ignorância e o desamparo dos outros, de toda essa gente da Plaza de Mayo?
- Eles sonham e são mais daqui do que nós - afirmou o cronista.
- Não me importo com eles - justificou Juan. - O que me importa são meus atritos com eles. Não me importa que um degenerado, que por ser um degenerado é meu chefe no escritório, meta os dedos nos bolsos do colete e digam que deveriam capar o Picasso. O que me emputece é que um ministro diga que o surrealismo é
mas para que continuar
para que
Me emputece não poder conviver, compreende?
Não-poder-con-viver. E esse já não é um assunto de cultura intelectual, de se Braque ou Matisse ou os doze tons ou os genes ou a arquimedusa. Isso é coisa de pele e sangue. Vou te dizer uma coisa horrível, cronista. Vou te dizer que cada vez que vejo um cabelo negro, liso, de índio, uma pele escura, uma toada provinciana,
me dá asco.
E cada vez que vejo um portenho metido a besta, me dá nojo. E as grã-finas me causam asco. E esses funcionários públicos inconfundíveis, esses pridutos da cidaed com seu topete e a sua elegânica de merda me dão nojo.
- Já entendemos - declarou Clara. - Daqui a pouco vai sobrar para nós também.
- Não - justificou Juan. - Os que são como nós me dão pena."
(Julio Cortázar, "O Exame Final" - tradução de El Examen de Fausto Wolff)
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