Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

18.5.03

Cálculo

Uma das aplicações não-físicas mais úteis do cálculo é a teoria de otimização. Não chegaria ao ponto de dizer que é "interessante" - de fato, me parece ser de uma deselegância terrível, com sua complexidade em crescimento exponencial. Começa bem, com o teorema de Fermat (aquele da derivada igual a zero), mas se torna rápidamente uma terrível sucessão de "teoremas" algorítmicos relativamente artificiais - desembocando naquela coisa horrível, o método de Karush-Kuhn-Tucker.

Pois bem. Duas coisas são importantes para "sacar" a idéia da teoria de otimização. A primeira é o conceito de derivada. Não vou me deter a explicar cálculo diferencial aqui, mas estou recomendando A tour of the calculus do David Berlinski esses dias como uma introdução indolor às principais idéias de diferenciação e integração para gente que nunca vai precisar usar cálculo para nada na vida, mas quer ter uma idéia de que troço é esse.

A outra é o teorema de Weierstrass. A versão que estudei em cálculo II dizia, literalmente, que uma função contínua definida em um domínio compacto atinge um máximo e um mínimo. Pouco antes, o livro introduzia uma mini-topologia real para explicar conjuntos abertos, fechados, limitados e não-limitados. No fim, eles diziam que um conjunto compacto é definido como sendo aquele que é fechado e limitado.

O livro é "Cálculo diferencial a várias variáveis", do Humberto Bortolossi, aqui da PUC-Rio. A estratégia do livro didático preparado específicamente para o curso de cálculo II da PUC é uma faca de dois gumes. Por um lado, o livro é excelente como referência para aquele algoritmo que você esqueceu. Por outro, a preocupação com o tempo, com a didática e com a relevância podem levar a alguns pulos de rigor matemático que o autor estima que não farão muito estrago.

E, puxa, um livro deveria ser mais completo que a aula, sempre.

O nosso curso de Introdução à Análise - que já não é um curso obrigatório para economia - começa construindo uma mini-topologia um pouco mais bem fundamentada antes de partir para funções contínuas. A parte de topologia dos espaços métricos segue mais ou menos "A primer of real functions", de Ralph Boas.

Pois bem. Conjuntos compactos são definidos em um espaço métrico qualquer como aqueles em que, dada qualquer seqüência de elementos, pode ser extraída uma subseqüência que tende a um limite que pertence ao conjunto. Depois é introduzido um teorema (Heine-Borel) que garante que, nos reais, um conjunto fechado e limitado é compacto - mas a recíproca não é necessáriamente verdadeira.

Das duas uma: ou o livro do Bortolossi fez uma grande concessão em rigor matemático ao ignorar que um conjunto real compacto pode não ser necessáriamente fechado e limitado, ou o resultado reverso pode ser demonstrado. Não tenho mais o Boas em mãos - apenas minhas notas sobre ele - mas lembro claramente da página que construía um contra-exemplo, um conjunto compacto que não é fechado e limitado. Posso estar enganado.

Em seguida, o teorema de Weierstrass diz que um conjunto infinito limitado nos reais tem um ponto limite. O livro afirma - e propõe que se demonstre como exercício - que desse teorema mais abstrato é possível tirar o "teorema de Weierstrass" da teoria de otimização - a afirmação de que toda função contínua definida em um intervalo fechado e limitado nos reais atinge um máximo e um mínimo.

Mas ora, podemos afirmar que isso acontece com uma função contínua definida num conjunto compacto dos reais? Depende da recíproca do teorema de Heine-Borel. E enquanto tenho relativa certeza de que o Bortolossi não cometeria um erro dessa magnitude - e portanto a recíproca é verdadeira - não posso usar um argumento sociológico desses numa demonstração.

Quer dizer, quando você faz uma figura, o teorema de Weierstrass do cálculo II é quase evidente - e enquanto ele é demonstrável a partir de resultados mais simples, não me parece de todo um abuso assumí-lo como axioma. Afinal, a própria noção de continuidade já diz que a função não pode ir a infinito ou assumir um valor não-real ou fazer qualquer outra coisa engraçadinha.

De fato, fiquei um tanto decepcionado quando soube que Weierstrass vale apenas para fechados e limitados, e não para compactos em qualquer espaço métrico. Talvez seja só devido ao meu diletantismo, mas a própria idéia de compacidade (compactitude? compactez?) parece muito menos atraente vista desse ângulo.

Claro, tanto o Boas como o Spivak como o curso de Introdução à Análise têm como objetivo final a análise real - muito embora exemplos divertidos dos conceitos da primeira parte de topologia de espaços métricos só sejam possíveis recorrendo a espaços de seqüências e de funções. Essas idéias todas de topologia podem ter significados muito mais amplos quando se pensa, por exemplo, em espaços de funções.

O Lorenzo é um sujeito esperto: quando você percebe, você está com vontade de aprender análise funcional - para o qual primeiro é preciso um monte de coisas dificílimas primeiro. Esses matemáticos é que são felizes....