Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

28.5.04

Duas vocações

O economista em mim não precisa censurar o crítico cultural. Parece tolo, mas é uma grande descoberta. Eu posso acreditar no mercado como provedor de soluções sociais ótimas e ser um crítico de seus resultados no campo da cultura.

A crítica da cultura não implica em um chamado à intervenção, ou mesmo na posição freqüentemente associada de que o vazio cultural é um resultado necessário da natureza de um sistema político-barra-econômico subjacente. Eu não preciso nem mesmo montar um argumento de falha de mercado, embora haja um muito forte no alto custo de entrada no mercado cultural.

Em todo caso, as barreiras de entrada estão caindo, e em nenhuma época da História houve uma tal diversidade cultural acontecendo em uma velocidade tão alta. Claro, a menina da xerox da PUC não está necessariamente ouvindo Squarepusher, mas as evidências de que o capitalismo está, afinal, chegando, são cada vez mais fortes.

É claro que a gradual expansão destas subculturas que re-valorizam a inteligência vai enfrentar uma sociedade não preparada pra isso. É claro que no dia em que o Multishow descobrir Squarepusher, caetanos e chicos vão espernear. E, num mundo onde grupos especiais de interesse determinam soluções políticas (mesmo que não no âmbito dos governos, mas na máquina privada produtora de cultura) inferiores às que surgiriam espontâneamentee, o sucesso eventual da inteligência não é seguro.

Assim, a crítica da cultura é, sim, válida. Há mais inteligência em Alan Licht do que em Ubiratan Iorio, mesmo que este repita algumas verdades fortes pinçadas de bons livros, enquanto aquele desconfie que a correlação entre a teoria sócio-política (o capitalismo) e o fenômeno cultural (pocotós e mariaritas) implique em causação. A ingenuidade de Alan Licht é vital onde a sabedoria de Ubiratan Iorio é burra: no lugar em que a inteligência ocupa na hierarquia dos valores.

Sou uma espécie de liberal por experiência do torpor da burocracia estatal e por fatos demonstráveis a respeito de mercados estilizados, mas não coloco a política acima da inteligência. A inteligência deveria estar no topo da hierarquia dos valores, porque sem ela não definimos com clareza aquelas coisas importantes todas como "ética", "bem", "belo", "verdade", e ficamos vulneráveis às sucessivas ondas de double-speak. A distopia orwelliana é antes de tudo uma de exílio da inteligência.

É por isso que eu queria que um homem como Richard "RMS" Stallman se candidatasse à presidência americana, muito embora eu discorde fundamentalmente das suas posições-chave. Dubya Bush é um bobão, John Kerry é um family guy intranscendente, e mesmo o velho e bom Ralph Nader está ficando mais velho que bom, e não aprendeu a programar em C para acompanhar os tempos.

Precisamos reinjetar inteligência em todos esses debates; colocar o posicionamento estratégico acima da inteligência é um declive escorregadio ao longo do qual estamos deslizando, parando para pensaar apenas quando trocamos um Carter por um Reagan, um Andropov por um Chernenko, um FHC por um Lula.

Santo Mingus, que saudades que tenho de Fernando Henrique...