Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

14.12.02

Eu deveria começar com um meta-comentário sobre rótulos. Direita, esquerda, direita, esquerda, meia-volta, vollllllver!

Gosto do capitalismo. Gosto de ir ao supermercado e escolher os meus próprios pãezinhos franceses com uma pinça. Gosto de passar meses sem ouvir nada do que o governo gostaria que fosse a cultura nacional. Gosto do individualismo. Gosto de estar cercado de pessoas que são indivíduos, e que não dão a mínima para o que sir Arthur McBradley acha que é o problema do Brasil. Gosto da cultura de consumo. É verdade que a cultura de consumo promove o uso de guarda-chuvas verdes, de pésismo gosto, além de starlets musicais que usam playback, mas é a mesma cultura que me permite colocar o meu rico dinheirinho em discos do The Sea and Cake e do Anglagard, e não da Kelly Key. Gosto dos argumentos de microeconomia walrasiana para o liberalismo - a maximização do excedente social, essas coisinhas. Gosto dos argumentos da escola austríaca para o liberalismo. Gosto de Hayek, elegante como só podem ser elegantes um mosquito, um filósofo ou uma bailarina. Gosto das letras do Rush que falam de liberalismo. What you own is your own kingdom, what you do is your own glory, what you love is your own power, what you live is your own story. Gosto de como qualquer mané com trezentos reais pode jogar com tudo no mercado de capitais, mesmo em aplicações sofisticadas como as opções de compra sobre TNLP4. Gosto de pude comprar uma guitarra sem ter que recorrer ao mercado negro, sem ter que me esconder do governo. Gosto de como posso sair à rua vestido de mulher sem ser preso. Gosto dos lenços de papel Kleenex, macios e, na medida do possível, impermeáveis. Gosto de ler os artigos do Olavo de Carvalho. Gosto de como o Olavo de Carvalho pode chamar o governo atual e o futuro de comunistas filhos de uma hipopótama e não ser preso por isso. Gosto do capitalismo. Gosto.

Não gosto dos artigos em que o Olavo de Carvalho vira um furioso homofóbico. Não gosto do conservadorismo católico. Deixei de ter qualquer coisa contra qualquer coisa - exceção feita ao uso de astrologia nos departamentos de RH das empresas - que não afete o todo da sociedade. De fato, os progressistas católicos me incomodam um pouco mais do que os conservadores católicos, mas pelo geral a ingerência política me incomoda um pouco. Gosto, sim, da Igreja como mega-estrutura política. Gosto de saber as notícias do Papa. Admiro o Papa, e gostaria de bater um longo papo com ele depois de um pouco bêbado, numa choppada de comunicação da UFF - eu já devo estar banido delas. Mas não gosto do conservadorismo, pelo geral. Não gosto do moralismo sexual que a "direita" liberal às vezes espuma. Sou liberal, tanto em matéria de economia como de política, mas não odeio o Clinton e acho ótimo que ele tenha feito das suas com a estagiária. Sou um liberal e não gosto do Bush. Sou de "direita" e gosto de uma música do Blur que prega que as meninas sodomizem os meninos. Quero ser de direita sem ser conservador. Quero poder criticar o Lula e aplaudir as picardices sexuais do Itamar. Sou a favor do comércio internacional, inclusive de pornografia e música ruim. Gosto da alta cultura, gosto de (certa) cultura pop quirky, sofisticada e auto-perceptiva. Acho que a crítica de rock pode ser uma coisa muito mais interessante que a crítica de cinema. Acho Deleuze sexy, embora falho e pretensioso. Gosto mais de seu estilo do que de seus métodos. Gosto de meninas de cabelos escuros curtos. Gosto de objetos culturais que me trazem um clima vagamente subversivo. Prefiro a subversão à "resistência". O uso do termo "resistências" pela esquerda (inclusive em recente seminário transdisciplinar) os torna ainda mais nojentos que os conservadores de direita. Se certo pensamento de esqueda sessentista está morrendo, é porque era uma idiotice, mesmo. Às vezes o liberalismo conflita com a subversão no meu coraçãozinho de lúmpen-intelectual no limbo, mas tomado estritamente o liberalismo cultural é a própria subversão. Gosto de poder gostar de meninas de piercing sem ter que quer usar um. Gosto de poder passar uma mensagem de ambigüidade sexual sem ter que praticar os atos em si. Happens not to be my game, mas gosto de deixar as pessoas em dúvida. Gosto de escalar a linha de prumo, gosto de me equilibrar em cima do muro.

A diatribe clássica sobre rótulos terminaria com "Será que sou de esquerda ou direita?". Ou, reversamente, "Não dou a mínima". Eu não queria entrar em uma diatribe sobre rótulos, eu só queria escrever um monte de frases sobre gostar-não-gostar.