Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

17.2.03

Soylent Grün ist Menschenfleisch!

Creio entender, ao menos parcialmente, o fundo psicológico de todas as manifestações contra a operação internacional, de caráter bélico, para depor o governo ditatorial de Saddam Hussein. Nem sempre - aliás, quase nunca - as nossas afinidades políticas são organizadas com base em uma análise honesta e razoável do que melhor se adequa aos nossos interesses e o que menos fere os nossos princípios éticos.

O anti-americanismo é, primáriamente, emocional. Tem a ver com um certo complexo de inferioridade, com uma tendência a exteriorizar a culpa de nossos fracassos. Talvez tenha a ver com o tal do ressentimento de que Nietzsche falava. A verdade é que o nordestino que descobriu uma forma de alimentar o gado com cacto moído faz muito mais pelo engrandecimento do país do que todo o discurso anti-americano acumulado desde 1945. Mas produzir é mais difícil que reclamar.

E as posições políticas são empacotadas de forma muito inteligente. A paz contra a guerra, o pequeno líder, amado pelo povo, contra o império do mal. Os americanos são freqüentemente acusados pela academia de serem mestres no uso de uma máquina de propaganda para fabricar consciências, mas mesmo quando aparentemente o fizeram, foram muito ineficientes, por falta de sutiliza ou por excesso dela.

Não digo que o mundo macartista possa não ter existido no solo americano, mas as supostas tentativas de reeducação, de fabricação de consciências tentadas para a América Latina nunca atingiram o grau de verossimilitude que sedimenta as grandes narrativas. Vimos, por um lado, certas tentativas below the belt como a série de filmes do agente 007. Os russos são frios, calculistas, e malvados. Por outro, temos as grandes teorias da conspiração, como o clássico de escola de comunicação "Para ler o Pato Donald".

De um lado, subestimamos a inteligência de bípedes que conseguem andar e subir escadas sozinhos. De outro, superestimamos a validade e a eficácia de teorias psicanalíticas e lingüísticas de fundamentação duvidosa. Santo Cristo, é de pessoas que estamos falando.

E claro, a evidência empírica é que as pessoas estão nas ruas, protestando "contra a guerra" e/ou manifestando-se "a favor da paz".



Algum tempo atrás, li num post da Usenet uma citação sem autor que tornou-se muito urgente, dada a situação. O conteúdo literal me foge, mas a idéia era que a paz não é meramente a ausência de guerras, mas a presença de um sistema que permita a solução dos conflitos sem recurso à guerra.

As coisas estão acontecendo. As resoluções da ONU, organismo a que o discurso anti-americano pretende que os países em conflito se submetam, vem sendo violadas sistemáticamente pelo Iraque. Quantas ogivas precisam ser descobertas antes de que as pessoas tirem as suas máscaras de Darth Vader e percebam o que está acontecendo?

A entrevista de Saddam Hussein à TV inglesa divulgada ontem pela Globo tem um certo ar de canto de vitória do anti-americanismo fácil. Um político inglês, aparentemente ligado ao partido trabalhista, fez cinco ou seis perguntas das mais óbvias ao ditador iraquiano, recebendo as negativas usuais e esperadas. Pareceria até um golpe de propaganda contra Tony Blair.

Foi a primeira vez que Saddam falou ao ocidente em doze anos, e este sujeito se abstém de falar sobre a onipresente máquina de propaganda de Saddam (esta, sim, em todos os lugares), sobre a repressão a qualquer movimento de oposição, sobre o contraste entre a opulência de seus palácios e a situação econômica do país - que é rápidamente atribuída pelo locutor da Globo ao "embargo econômico imposto pela ONU", enfim, sobre o mundo invertido que existe dentro das (coro de professores de relações internacionais: "invioláveis, soberanas") fronteiras do Iraque.

E claro, há o incrível caso do massacre dos curdos. Mas isso os professores de geografia do ensino médio não contam às suas criancinhas. Resta aumentar o volume do disco do Wumpscut.

Es ist Menschenfleisch! Soylent Grün ist ein Produkt aus Menschenfleisch.