Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

4.4.03

A lista CINEMABRASIL anda aprontando mais uma: um boicote ao cinema americano. Este texto foi escrito para lá, mas fiquei feliz com o resultado, e copieicolei para a apreciação dos anacolutenses.



A UFF - aliás, o prof. João Luiz Vieira - tem o mérito de mostrar Griffith aos seus alunos logo nas primeiras semanas de aula. Quer dizer, não só a tecnologia "cinema" foi inventada efetivamente por Edison (os franceses não fizeram mais que criar a sala de projeção), como criaram a própria linguagem visual do cinema de ficção como ainda usamos hoje. E apesar de toda a importância atribuída pelos teóricos ao "dispositivo" que representaria a sala, o fato é que cinema em nickelodeon (maquininha para consumo individual) continua sendo cinema - como continuam sendo nossos home-theaters - enquanto não há dispositivo sem tecnologia.

A experiência americana é fundamental no processo de construção do mundo como o conhecemos hoje, e se você começar a enumerar as coisas que são símbolos do espírito americano e que deveriam ser boicotados, vai ficar com pouco mais que tulipas holandesas e engenhos de açúcar. Raios, a forma como experimentamos e compreendemos Bach hoje se deve em grande parte a um americano. Mesmo a idéia que temos de desobediência civil se deve a um americano. Thoreau precede os socialistas utópicos franceses em ainda mais tempo que Glenn Gould precede Zoltan Kocsis ou Edison precede os Lumière, ou ainda a revolução americana precede a francesa.

Quando Edison, já famoso, anunciou que inventaria uma lâmpada elétrica, as ações de companhias de gás no mundo todo desmoronaram imediatamente. Muitos cientistas de todos os países tentaram chegar antes do inventor americano. Edison, que não tinha formação científica, demorou anos a conseguir montar um protótipo que funcionasse. Paris continuava sendo a cidade-luz, mas algo de muito simbólico estava acontecendo quando a interiorana Menlo Park foi a primeira rua do mundo a ter iluminação elétrica. Coisas como essa são as experiências formadoras do nosso mundo - que não é o mundo de Kant e Hegel, mas de Marshall e William James.

Alguma coisa está acontecendo agora? Alguma coisa esteve acontecendo quando o mundo se calou sobre os atentados de NY? É difícil saber. Quem é o "feiticeiro de Menlo Park" do mundo árabe que quer se colocar como bloco de oposição, ou do terceiro-mundismo rebelde? O que é certo é que Nova Iorque é hoje o que Paris era em 1900: pode estar em franca decadência, mas é o símbolo que tudo o que a civilização do nosso tempo tem de mais rico. Se vocês estão dispostos a se privar disso em nome de uma posição política que nunca acabaram de compreender, beem, é uma das opções que o sistema capitalista oferece. Eu vou tomar emprestado com um amigo uma cópia do "A noite americana", e não acharei que estou ajudando a fazer parte de alguma coisa.