"Blue", do Bark Psychosis, é o cumprimento de uma promessa que vinha sendo feita havia anos por bandas como New Order, Joy Division e Talk Talk. Nada, em toda a música dos anos 80, tem este grau de conteúdo emocional. É acachapante. E o que dizer da
coda fake-tropical que termina a faixa?
Talvez involuntariamente, o final de "Blue" é uma refutação da música brasileira.
Parte do problema da música brasileira é que ela nunca conseguiu se sentir segura estéticamente para
ser, em si mesma, e sempre se afirmou na sua natureza de
projeto. Ainda estranha alguns a possibilidade de alguém poder gostar de música por causa da música. Outro dia, me perguntaram de onde são os Bark Psychosis. E eu não sei.
As pessoas costumam vincular organicidade a emotividade, e pode ser uma surpresa a força emocional que a sintética pura e os vocais sussurrados do Bark Psychosis podem ter. A única linha de guitarra, que antecede e introduz o piano tropical a que eu me referia, diz mais sobre a extensão e a complexidade das emoções de pessoas de verdade do que décadas de Chico Buarque e Elis Regina.
Bark Psychosis personifica até o fim a idéia que só recebeu nome com os chatos australianos do Silverchair:
emotion sickness. Você sabe quando você tem tantas emoções misturadas e contraditórias em relação a uma coisa só que se sente fisicamente mal?
Qualquer um que já botou a cabeça pra fora da caixa sabe do que eu estou falando. Qualquer um que vive seus relacionamentos para além da pragmática do sexo e da companhia do sábado à noite e do medo de ficar sozinho sabe do que eu estou falando. "Sentimentos" são kits pré-embalados de emoções que as pessoas se permitem revelar porque têm esferas semânticas bem definidas ao seu redor. Amor romântico significa sexo e cinema no sábado à noite; amizade significa telefonemas depois daquela prova difícil e simpatia nas dificuldades. Relações entre colegas de trabalho são objetivas, exceto no chopinho de sexta à noite. O cliente sempre tem razão, especialmente numa loja de sapatos.
Só que as coisas são mais complicadas do que isso, e algumas pessoas mais inteligentes sabem disso. Gosto de pensar que o fato de que mais de 80% das visitas ao Anacoluto vêm de universidades significa que tenho leitores inteligentes. E os meus leitores inteligentes sabem que o mundo de Dawson's Creek não existe. É disso que o Bark Psychosis está falando: da vida fora da caixa.