Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

28.2.03

Un hermoso repollo de la cigüeña que te trajo de París

Citação literal do Relatório Focus do Bacen:
"Em dezembro de 2002, o conjunto de preços administrados totalizava cerca de 28% do IPCA, refletindo a importância desses bens e serviços na cesta dos consumidores de um a quarenta salários-mínimos."

Quer dizer, descontados os 30% do PIB que o governo absorve, outros 30% são de preços administrados. Isso quer dizer que 50% de toda a produção está posta (artificialmente) fora do alcance da lei da oferta e da demanda, e sujeita aos caprichos administrativos e às mudanças de vento político.

Neoliberalismo? Que neoliberalismo?

26.2.03

Não me orgulho particularmente do resultado do texto, mas há tempos que venho querendo escrever sobre o assunto no blog, e acabou surgindo numa polêmica off-topic sobre mercado de trabalho para humanas numa lista de analistas do mercado financeiro. Na falta de mais vontade e mais tempo, vai para o blog o que escrevi por lá.



Mercado de trabalho é mercado de trabalho. Para começar, depende da performance econômica do país. A situação está difícil até para engenheiro civil com doutorado em materiais no MIT. O que os jornais fazem - e eu vi isso de perto, apesar da minha habilitação ser cinema - é contratar estagiários e botar pra trabalhar. Uma menina que entrou junto comigo foi contratada no segundo período e saiu assinando matéria logo no primeiro mês de estágio. Depois é só demitir e contratar mais estagiários por 400 reais.

Isso - e quase todas as mazelas da universidade brasileira - se devem a uma grande confusão sobre o papel da universidade. Em primeiro lugar, enquanto é conseqüência do passar pela universidade o aprendizado de uma série de ofícios que podem ser oferecidos no mercado de trabalho, não é a função principal da universidade. E isso fica claro no curso de jornalismo, que não ensina jornalismo, mas "ciência da comunicação", o que os americanos chamam de "media studies".

Se você vai olhar o fluxograma de um curso de comunicação, mais de quatro quintos das horas de aula são tomadas por cursos teóricos dessa ciência. Tenho as minhas restrições epistemológicas ao que se ensina por aí, mas é uma ciência humana do mesmo tipo que a sociologia e a antropologia. Mais: como não temos programas específicos em áreas como lingüística, o corpo docente é povoado de figurinhas divertidíssimas de áreas teóricas supostamente interessantes, mas longe da tal "realidade do mercado" que significa um ofício específico (e aliás, muito estreito, se comparado com o de um economista, um engenheiro ou um médico) que as pessoas pensam estar estudando.

Um professor de lingüística já me confessou que as habilitações-ofício do curso de comunícação são uma "isca" para atrair as pessoas para a vida acadêmica, já que "a academia é o telos". O que acaba acontecendo é que, por força da obrigatoriedade do diploma, aspirantes a exercer um ofício simples que podia ser ensinado nos três anos de um segundo grau técnico têm que passar por quatro anos do que é em grande parte um programa de de doutrinação ideológica, uma escola de guerrilheiros midiáticos gramscianos. Não por acaso, a mídia cada vez mais é predominantemente de esquerda. Numa época em que os jovens estão (estamos, embora eu tenha tido um vislumbre do nirvana e pulado fora) suscetíveis a toda experiência de formação filosófica, passam anos a ouvir as maiores patranhas sobre a própria estrutura da realidade social tal como a experimentamos.

Acho que basta dizer que o meu curso de sociologia na faculdade de comunicação ignorou completamente que Weber e Durkheim existem, dedicando meses a fio a desfiar com minúcia as mais obscuras sutilezas das diferentes correntes de pensamento marxista. O pior acontece no período seguinte, quando apresentam Foucault e Deleuze a jovens que não conhecem Platão e Aristóteles. É trágico: uma juventude que conhece superficialmente o chique do pensamento de vanguarda francês sem ter tido contato com as bases mesmas da civil-ização moderna.

Daí você vê um Observatório da Imprensa publicando idiotices sobre a capilaridade do poder.

É claro que a situação é menos extrema em outras áreas. Certamente academia e prática são muito mais próximas na outra área com que tive algum contato, a economia. Enquanto o jornalista vai ouvir no seu primeiro dia de estágio que "na prática a teoria é outra", um economista precisa saber derivar porque precisa saber derivar. E precisa saber muito mais. É por isso que economista nenhum arruma estágio no segundo período e começa atuar direto na ponta do processo produtivo como aconteceu com a amiga minha que mencionei.

O bacharelismo sempre foi uma característica brasileira - o título de doutor sempre foi por excelência a forma de ascensão social. O problema é que a universidade agora é vista como a única forma de aprender um ofício valorizado pelo mercado de trabalho, o que a torna, a fortiori, a única forma de "subir na vida". É ESSA A ORIGEM DE TODOS OS PROBLEMAS DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA.

Um exemplo claríssimo é a proliferação dos cursos caça-níqueis. Ora, existe demanda por um curso fajuto de jornalismo na Estácio porque é dificílimo conseguir uma vaga numa boa universidade. 2% dos candidatos ao curso de ciência da comunicação da UFRJ passam; a Mensa aceita pessoas que estejam ente os 2% superiores no seu teste de inteligência. Mas deveriam todos os jornalistas ser gênios?

Daí a polêmica das cotas raciais. A base da argumentação de seus defensores é que não é justo que a universidade, esse passaporte para o reino encantado da classe média, esteja fechada aos negros.

O triste é que pouco mais da metade dos milhares de bacharéis que se formarão nos próximos anos vai acabar em algum lugar que compense a sua rica formação. O que mais se vê é publicitário fazendo bico em telemarketing.

O triste é que a médio prazo o jogo tem soma negativa. Não se trata de academia ou ofício, mas de simbiose academia-ofício ou nada. O triste é que à medida que a universidade se deteriora em ensinadora de ofícios, a produção acadêmica do país tende a desaparecer, e os ofícios passam a ser mal ensinados, o que deterioria o valor do profissional no mercado de trabalho. Sinceramente, se eu fosse de um setor de RH, deixaria de contratar formandos da UERJ a partir da primeira turma da cota racial.

Claro, a solução é dificílima de implantar: cursos técnicos de melhor nível, que ensinem os ofícios específicos demandados pelo mercado. Um economista não deveria estar fazendo pesquisa de preço em supermercado. Se tivéssemos cursos de estatística de nível médio, teríamos faculdades de economia menos lotadas, menos concorrência nas áreas que realmente interessam a quem se dispõe a mourejar por quatro anos extras num curso de economia, melhores oportunidades para aqueles que não desejam passar a juventude estudando, e por último, para as empresas, uma melhor solução para o problema da informação assimétrica na contratação - as empresas não sabem quem são os profissionais de alto nível - o que reduziria para elas a necessidade de coisas não racionais como salário-eficiência, custos de vigilância...

Os austríacos sabiam desde Menger: podemos fazer mil manipulações artificiais tanto do lado monetarista (expandir/contrair a demanda agregada) como do lado "estruturalista" (expandir/contrair a oferta agregada), mas a economia só cresce consistentemente se ganha em eficiência, em produtividade. Ora, ganhamos em eficiência com as revoluções tecnológicas, mas principalmente aumentando a produtividade marginal do trabalho. Para isso, precisamos alocar melhor as pessoas.

Ninguém deveria ser obrigado a ir à universidade. Ninguém deveria estar num quinto período de economia matando aula porque detesta, detesta, detesta, econometria. O chato é que ao virar a mesa você sempre enfia o dedo no olho de alguém. O chato é que é as conseqüências de uma mudança no modelo da educação profissional brasileira são muito mais capilarizadas, e afetam gente muito melhor posicionada políticamente do que, por exemplo, a "classe" dos servidores públicos, que atravanca uma reforma essencial para permitir a queda dos juros, a recuperação da economia, o aumento da oferta de vagas para engenheiros civis...

O chato é que eu não sou o imperador do mundo, e não posso consertar o que está errado para criar a sociedade perfeita. Pelo lado bom, como não sou imperador do mundo, vocês não são obrigados a ouvir Kultivator o dia inteiro, todo dia..

25.2.03

Depois de duas tentativas frustradas, finalmente encontrei um sistema de comentários que funciona. Espero que a minha visitação não volte aos níveis de novembro.

24.2.03

Where do we go, nobody knows. Tenho a sensação de que as coisas estão sendo retiradas de pauta. Li com alguma supresa na Veja sobre os recentes acontecimentos pós-greve na Venezuela. Hoje de manhã, lembrei de abrir o Nota Latina e li que diante dos recentes atentados na Colômbia, discretamente informados depois do futebol, o presidente Pastrana enviou uma carta a vários presidentes latino-americanos que estavam se integrando ao Grupo de Amigos da Venezuela, pedindo que a FARC seja declarada um "grupo terrorista". É claro que o nosso líder operário optou por ignorar o apelo.

Parecia uma grande teoria da conspiração quando Olavo de Carvalho falava das ligações entre o MST e as FARC, não parecia? E vieram as investigações da PF, veio Fernandinho Sea-shore. Depois, veio aquela história do Foro de São Paulo, que ligava irremediávelmente o PT à guerrilha colombiana. Oh!


Eu estou ficando cansado disso. Ontem, conversando com uma menina que vai ser minha caloura na UFF, discutíamos ideais. Na verdade, o assunto começou com este desenho, e as possíveis interpretações da "montanha" do desenho. Quando ela começou a falar sobre "lutar pelos seus ideais", eu entrei no meu modo reacionário. "Cuidado com os ideais, eles aprisionam", etc. etc. etc.

Detesto pensar em mim mesmo como reacionário. De fato, numa sociedade em que o "normal" se tornou o pensamento de esquerda, sou verdadeiramente subversivo ao supor que talvez não devêssemos estar distribuindo esmolas em Guaribas. O fato é que depois de entrar na diatribe reacionária, lembrei que há diferentes tipos de ideais. Alguns, como "justiça social", são realmente complicados e precisam ser muito discutidos. Mas há ideais simples que precisam ser perseguidos.

A saber, liberdade, amor, e matemática.

Esta minha amiga imediatamente disse "liberdade e amor, matemática nunca foi o meu forte". Cada vez me parece mais que a matemática é tão importante na formação do espírito quanto a música e a literatura. Eu certamente deveria ter acrescentado "arte" àquela lista, mas às vezes pareceria que é uma coisa natural que as pessoas enriqueçam as suas vidas com boa música, boa literatura e bom cinema.

E então Sérgio di Biasi me lembra neste artigo que as pessoas vivem de forma muito mais medíocre do que supõem as minhas mais baixas estimativas.

Então chega de política. Mesmo que os hunos cheguem às nossas portas, como aconteceo hoje no Rio. O blog fica sendo sobre liberdade, música, amor e matemática. É claro que não será simples.

Não devo escrever sobre matemática muito em breve, mas chegará o momento em que serei sofisticado o suficiente para comentar sobre o assunto. Só saberia escrever sobre "amor" na forma de auto-comiseração (estrada que não quero tomar), pequenas homilias (nunca!) ou ficção - o que não era bem o objetivo do blog. Falar de liberdade tende a se tornar falar sobre política, que é o que me desanimava em primeiro lugar.

Bem, música. E com o tempo, liberdade, amor e matemática. Wish me luck.


20.2.03

De um texto sobre Nietzche do Olavão:

Um símbolo, por definição, não tem sentido unívoco, podendo sempre transfigurar-se em seu contrário, conforme a esfera de ser a que se aplique num contexto dado. Por isto e só por isto tem força evocativa e geradora, não cabendo aprisionar na moldura de um conceito fixo aquilo que é antes, na feliz expressão de Susanne K. Langer, uma "matriz de intelecções possíveis".


É isso que eu venho tentando dizer, toda vez que entro num ciclo de explicar quais são as minhas diretrizes como crítico de rock. O Olavão disse tudo, e doravante posso me preocupar menos em explicar porque faço o que faço. Valeu, tio.

17.2.03

Soylent Grün ist Menschenfleisch!

Creio entender, ao menos parcialmente, o fundo psicológico de todas as manifestações contra a operação internacional, de caráter bélico, para depor o governo ditatorial de Saddam Hussein. Nem sempre - aliás, quase nunca - as nossas afinidades políticas são organizadas com base em uma análise honesta e razoável do que melhor se adequa aos nossos interesses e o que menos fere os nossos princípios éticos.

O anti-americanismo é, primáriamente, emocional. Tem a ver com um certo complexo de inferioridade, com uma tendência a exteriorizar a culpa de nossos fracassos. Talvez tenha a ver com o tal do ressentimento de que Nietzsche falava. A verdade é que o nordestino que descobriu uma forma de alimentar o gado com cacto moído faz muito mais pelo engrandecimento do país do que todo o discurso anti-americano acumulado desde 1945. Mas produzir é mais difícil que reclamar.

E as posições políticas são empacotadas de forma muito inteligente. A paz contra a guerra, o pequeno líder, amado pelo povo, contra o império do mal. Os americanos são freqüentemente acusados pela academia de serem mestres no uso de uma máquina de propaganda para fabricar consciências, mas mesmo quando aparentemente o fizeram, foram muito ineficientes, por falta de sutiliza ou por excesso dela.

Não digo que o mundo macartista possa não ter existido no solo americano, mas as supostas tentativas de reeducação, de fabricação de consciências tentadas para a América Latina nunca atingiram o grau de verossimilitude que sedimenta as grandes narrativas. Vimos, por um lado, certas tentativas below the belt como a série de filmes do agente 007. Os russos são frios, calculistas, e malvados. Por outro, temos as grandes teorias da conspiração, como o clássico de escola de comunicação "Para ler o Pato Donald".

De um lado, subestimamos a inteligência de bípedes que conseguem andar e subir escadas sozinhos. De outro, superestimamos a validade e a eficácia de teorias psicanalíticas e lingüísticas de fundamentação duvidosa. Santo Cristo, é de pessoas que estamos falando.

E claro, a evidência empírica é que as pessoas estão nas ruas, protestando "contra a guerra" e/ou manifestando-se "a favor da paz".



Algum tempo atrás, li num post da Usenet uma citação sem autor que tornou-se muito urgente, dada a situação. O conteúdo literal me foge, mas a idéia era que a paz não é meramente a ausência de guerras, mas a presença de um sistema que permita a solução dos conflitos sem recurso à guerra.

As coisas estão acontecendo. As resoluções da ONU, organismo a que o discurso anti-americano pretende que os países em conflito se submetam, vem sendo violadas sistemáticamente pelo Iraque. Quantas ogivas precisam ser descobertas antes de que as pessoas tirem as suas máscaras de Darth Vader e percebam o que está acontecendo?

A entrevista de Saddam Hussein à TV inglesa divulgada ontem pela Globo tem um certo ar de canto de vitória do anti-americanismo fácil. Um político inglês, aparentemente ligado ao partido trabalhista, fez cinco ou seis perguntas das mais óbvias ao ditador iraquiano, recebendo as negativas usuais e esperadas. Pareceria até um golpe de propaganda contra Tony Blair.

Foi a primeira vez que Saddam falou ao ocidente em doze anos, e este sujeito se abstém de falar sobre a onipresente máquina de propaganda de Saddam (esta, sim, em todos os lugares), sobre a repressão a qualquer movimento de oposição, sobre o contraste entre a opulência de seus palácios e a situação econômica do país - que é rápidamente atribuída pelo locutor da Globo ao "embargo econômico imposto pela ONU", enfim, sobre o mundo invertido que existe dentro das (coro de professores de relações internacionais: "invioláveis, soberanas") fronteiras do Iraque.

E claro, há o incrível caso do massacre dos curdos. Mas isso os professores de geografia do ensino médio não contam às suas criancinhas. Resta aumentar o volume do disco do Wumpscut.

Es ist Menschenfleisch! Soylent Grün ist ein Produkt aus Menschenfleisch.

11.2.03


"- Fazendo bem as contas - reconhece Juan, amargo - não há nada de brilhante em pertencer à cultura pampeira por culpa de um maldito acaso deomgráfico.

- No fundo o que te importa a cultura a que pertences, se assim como Andrés e muitos outros, criaste a tua própria cultura? Te faz mal a ignorância e o desamparo dos outros, de toda essa gente da Plaza de Mayo?

- Eles sonham e são mais daqui do que nós - afirmou o cronista.

- Não me importo com eles - justificou Juan. - O que me importa são meus atritos com eles. Não me importa que um degenerado, que por ser um degenerado é meu chefe no escritório, meta os dedos nos bolsos do colete e digam que deveriam capar o Picasso. O que me emputece é que um ministro diga que o surrealismo é

      mas para que continuar
      para que
      Me emputece não poder conviver, compreende?

Não-poder-con-viver. E esse já não é um assunto de cultura intelectual, de se Braque ou Matisse ou os doze tons ou os genes ou a arquimedusa. Isso é coisa de pele e sangue. Vou te dizer uma coisa horrível, cronista. Vou te dizer que cada vez que vejo um cabelo negro, liso, de índio, uma pele escura, uma toada provinciana,
      me dá asco.
      E cada vez que vejo um portenho metido a besta, me dá nojo. E as grã-finas me causam asco. E esses funcionários públicos inconfundíveis, esses pridutos da cidaed com seu topete e a sua elegânica de merda me dão nojo.

- Já entendemos - declarou Clara. - Daqui a pouco vai sobrar para nós também.

- Não - justificou Juan. - Os que são como nós me dão pena."

(Julio Cortázar, "O Exame Final" - tradução de El Examen de Fausto Wolff)

9.2.03

Apesar da imaturidade com que o Ritchie Blackmore se comporta, "Stargazer", do Rainbow, é uma das mais bonitas canções de power-metal que conheço. A bateria carrega de forma criativa a levada marcial da música, as tecladeiras têm o efeito dramático perfeito, e apesar do solo incrívelmente masturbatório do Blackmore, o todo é salvo pelo Ronnie James Dio, numa de suas performances mais comovedoras.

I see your rainbow rising...
... look there on the horizon...


Não consigo ouvir "Stargazer" sem ficar com um nó na garganta. Talvez porque tenha tanto a ver com a minha própria história filosófica. A letra, que narra em primeira pessoa a história de pessoas que acreditam cegamente em um bruxo que está construindo uma torre, é um libelo contra a opressão. É do tipo de coisa que faz falta na nossa música esses dias...

6.2.03

Don't believe the hype

Você não precisa acreditar no Márcio Moreira Alves, nas entrevistas do Mercadante à Caros Amigos, ou mesmo nos recortes potencialmente geradores de distorção do Palocci.

O IPEA mantém um site com uma base de dados macroeconômicos fabulosa. É um site sofisticadíssimo, que exibe e permite manipulações básicas com dados de dezenas de fontes brasileiras e internacionais.

Agora você já sabe: toda vez que desconfiar de um número em um artigo, o oráculo está em ipeadata.gov.br.

4.2.03

Feitos os comentários abaixo, é bom que não reste dúvida: todo apoio a Sandro Guidalli!

Protestos podem ser enviados para comunique-se@comunique-se.com.br.

O assunto de hoje é espinhoso. A situação induziu-me a tentar esboçar algumas críticas construtivas a gente que apóio, e que escreve muito mais e muito melhor do que eu - às vezes sem a menor base de comparação. Mas talvez por ser recente, ainda, o meu passado esquerdinha, enxergue uma ou duas coisas que podem ter se perdido na velha armadilha da gestalt.

O motivador da diatribe foi a notícia de que Sandro Guidalli foi defenestrado do portal Comunique-se.

Surpreendeu-me bastante quando soube que Guidalli estava escrevendo para um meio relativamente mainstream - pelo menos no contexto da pequena comunidade pensante que se preocupa com questões de mídia e representação e usa a Internet regularmente com tais fins intelectuais. A verdade é que a tal direita está exilada em blogs e sites específicos, em geral antipáticos, como o MSM.

Tão sagrado quanto o direito à livre expressão é o direito à antipatia. Talvez Guidalli tenha sido antipático no Comunique-se. O próprio mentor intelectual da turma, Olavo de Carvalho freqüentemente o é. Filósofo no sentido mais profundo do termo, de uma forma que a Chauí e o Konder jamais serão, é rara a coluna desta figura que não traz algo de suma importância para a reflexão sobre os temas brasileiros. Mas às vezes é difícil apoiar Olavo.

Incondicional admirador, esta semana senti-me constrangido em referir alguns colegas à sua coluna n'O Globo. Olavo de Carvalho se torna antipático ao adicionar a uma narrativa que já é bastante carregada no tom militante uma sidenote supérflua em que se queixa das blasfêmias sofridas por "Nosso Senhor Jesus Cristo" (sic).

Não discordo de todo da queixa. Aprendi a admirar a Igreja Católica e o incrívelmente complexo sistema da religião, mas o caso da blasfêmia precisa ser defendido com cuidado. Quase que por definição, e com tão raras exceções que justificam um comentário como este, o público em potencial de um autor mais sofisticado como Olavo de Carvalho é secularista.

Ora, o secularismo militante é tão imaturo quanto o igualitarismo de centro estudantil, e é preciso admitir que a doutrina social da Igreja é uma das formas mais aceitáveis de socialismo ao pregar, no princípio da subsidiariedade, uma maior independência de instâncias menores em relação a um Planejamento Central acachapante. Os recentes comentários de D. Mauro Morelli sobre o Fome Zero ilustram bem essa diferença de tom entre um socialismo estatista e um socialismo subsidiário.

O ponto é que Olavo de Carvalho contamina da aversão secularista a essa militância religiosa o resto do seu ponto, cada vez mais aceito, de que o narcotráfico tem ligações políticas no mínimo muito complicadas. Sempre que indico um texto de Olavo de Carvalho a alguém, preciso cercar-me de preliminares. E nem sempre é fácil de explicar que as críticas que ele faz às políticas de representação do políticamente correto são válidas mesmo que descontemos as suas ocasionais metamorfoses em um doudo homófobico mais comumente encontrado em borracharias e estações de troca de autopeças.

Não pretendo negar a Olavo de Carvalho, pensador provávelmente maior do que jamais serei, o inalienável direito da antipatia. Mas me parece um grande erro de estratégia. É difícil separar pessoa e argumento para quem foi educado na paranóia do quo bono - e quem não ouviu ainda que o que o Washington Times publica é desprovido de valor porque o Rev. Moon está entre seus acionistas não está acompanhando as discussões direito.

Por esse estranho método crítico, a síndrome de Estocolmo é uma das formas mais sinceras e válidas de rebelião, posto que não tem segundas intenções. Por outro lado, visto que a iminente guerra com o Iraque tem questionáveis segundos propósitos comerciais, passa a ser patentemente falsa a ameaça concreta que representam os arsenais de armas químicas de Saddam Hussein. É até um pouco ridículo, mas é a lógica dos pequenos círculos pensantes que são mesmo marginalmente capazes de entender Olavo de Carvalho.

Dada essa forma tortuosa de pensar, a cadeia se fecha: Olavo de Carvalho critica o políticamente correto porque é homofóbico. São contadas as pessoas que chegam a perceber a sutileza de que, apesar de (aparentemente) homofóbico, Olavo pode ainda estar certo. Às vezes, as coisas precisam ser entregues ao leitor a medio masticar. Quem não acompanha de perto, vê em Olavo de Carvalho um lunático retrógrado presa de uma incrível paranóia anticomunista. Dizem que muitos grandes gênios acabam alienando conscientemente o seu público (e o rock está cheio desses casos), mas às vezes Olavo de Carvalho torna a causa liberal muito mais difícil de defender.

A antipatia é um erro de estratégia.

Ontem, estava lendo um texto de um colega esquerdinha da escola de comunicação onde estudei. Ele se queixava amargamente dos políticos, da corrupção na vida pública, da cegueira do esquerdismo estreito e da capilarização da corrupção a partir de um planejamento central ineficiente. Este meu amigo havia decidido fazer um documentário sobre o FSM. Quando descobriu - e sabotou - alguma armação do DCE com os motoristas de ônibus, teve o seu documentário sabotado, as fitas roubadas, e através de um golpe de mestre que só se aprende na escola de politicagem do movimento estudantil, acusado de conspiração.

Chegou a um ponto que disse algo do gênero "pronto, não voto mais. Política é uma coisa muito sangrenta". A única coisa que pude responder foi "parabéns, você descobriu o liberalismo". Mas não, "liberalismo" é o que doudos homofóbicos como o Olavo de Carvalho e anticomunas paranóicos como os meninos do MSM pregam. Essas pessoas estão muito próximas de ver a luz, mas o método do quo bono as mantém presas neste limbo político.

São estas pessoas que a "direita" liberal precisa cooptar.



A ousadia de criticar Olavo de Carvalho me deixa pisando em ovos, mas talvez tenha conseguido servir de autocrítica coletiva. Porque depois do Olavo de Carvalho estão pessoas como Evandro Ferreira, Sandro Guidalli e Álvaro Velloso de Carvalho - e depois destes, estamos dezenas e dezenas de pequenos blogueiros de viés liberal. Uma dúzia de trutas de rio no meio do oceano, mas há coisas que precisam ser ditas.

Ou talvez tenha sido um incrível acesso de arrogância. Não por acaso, meu nickname no ICQ é "Hybris".

3.2.03

Em português, "anacoluto" se refere ao vício lingüístico que todos estudamos. Aparentemente, há quem se refira ao anacoluto como "figura de estilo", principalmente pelo seu uso em Camões, mas em geral a profusão de anacolutos revela a incapacidade de formar frases gramáticalmente consistente. O clássico exemplo é "quem come direto da panela, chove no dia do casamento".

O termo vem do grego anakólouthos, que significa, estritamente, "não é o seguimento de" - isto é, non sequitur. Achei que descobririam rápidamente o meu propósito, mas fui obscuro demais. O mistério está revelado.