Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

31.12.02

Estou ficando viciado nesses penduricalhos de blogs. Outro dia, vi alguém com uma previsão do tempo in-line, mas desisti de copiar a tempo de não terminar de estragar meu desáine. Pelo menos consegui deixar de fazer testes.

Em todo caso, esse BlogTree é legal. Bem menos picareta que aquele blogchalk, que é só um caça-hits. O trocinho de em-que-humor-estou do iEu é de gosto muito duvidoso, e pior, confirma a previsão que fiz no meu manifesto anti-blog de dois anos atrás de que em breve, o sistema de blogs nos pouparia o trabalho de escrever, já que vivemos dentro de moldes pré-definidos, através de menus de pull-down. Talvez eu o tire daí em alguns dias.

Ou talvez eu tenha me rendido.

É hora de escrever de novo. Sobre língua e nacionalismo. Em parte como reação a comentários no último Observatório da Imprensa, mas também como resposta, sempre adiada, a algumas críticas que há muito me fazem.

Sim, eu sou um pouco culpado. Optei inúmeras vezes por "esquinas rítmicas" como I mean para não quebrar o fluxo do texto. Sim, é um pouco de preguiça - de procurar expressões do vernáculo que se encaixem na sucessão de idéias no tempo da leitura. "Quero dizer" não é um "lick lingüístico", não é uma esquina cuja primeira leitura seja a de um mero conectivo entre uma idéia e uma explicação mais extensa dela. E "quer dizer", que andei tentando usar em vez de I mean é gramaticalmente horrenda.

O que se supõe que devo fazer?

Feita a confissão, é importante nunca perder de vista o postulado de que idiomas não são externos ao homem. Não são uma parte da physis que experimentamos, mas uma parte da nomos que codificamos ativamente o tempo inteiro. Idiomas mudam. É apenas lógico que à medida que a cultura que experimentamos se sofistica, haja a interpenetração dos códigos. Ei, não me venham dizer que os americanos não fazem o mesmo.

Onde nós usamos o termo "feeling", em inglês, os americanos usam "gusto". Em espanhol.

Por momentos, acho que a tarefa toda está um pouco acima das minhas possibilidades. Para ser um bom economista, devo adquirir uma razoável sofisticação em matemática. Não sei bem por onde começar, mas consigo escrever e pensar sobre economia, se bem que superficialmente, alheio ao axioma da indução finita de Peano. Mas para escrever e pensar sobre economia, let alone (ai, ai) sobre cinema, preciso exercer uma sofisticação lingüística que às vezes é muito mais cômodo eludir.

No meio de um documentário sobre Darwin, alguém - um premiado Pulitzer - disse que embora nossos idiomas modernos tenham 40 mil palavras, não usamos mais do que 4 ou 5 mil na linguagem coloquial. Isso é deprimente. Deprimente porque certamente todo o palavrório extra dá acesso a uma maior precisão - ou por outra, uma maior ambigüidade, quando é o que nos interessa - no falar, quando não a um fluxo suave, mais elegante, em que os advérbios formam bolhas na superfície como as pedras no rio.

Diante dos objetivos maiores da precisão (ou ambigüidade, porque escrever é um jogo de espelhos), fluxo, sentido e estilo, ideais como nacionalismo lingüístico são como o problema do colesterol quando somos, antes de tudo, animais carnívoros. Náufragos no meio do mar, que nos importa se não escovamos os dentes hoje?

29.12.02

Voltando com coisas menos pretensiosas. Pelo menos por enquanto.

Previsão do tempo para o Rio

26.12.02

O Anacoluto está entrando em recesso até segunda-feira, devido a uma viagem.

24.12.02

Puxa, eu deveria deixar uma mensagem de Natal.

Bem. Feliz.

23.12.02

A primeira missão do ministro da Segurança Alimentar é cuidar dessa minha barriga que insiste em crescer.

21.12.02

Sempre acabo correndo riscos inacreditáveis escrevendo sobre as coisas que estão na borda da minha mente, em vez de divagar com uma dose saudável de auto-percepção sobre coisas certas e - vistas do meu lado - óbvias. Pode-se ir muito longe dizendo coisas óbvias aos que não percebem tão óbviamente assim. Em vez disso, arrisco falar sobre assuntos complicados e ser deixado de lado tanto por aqueles que conhecem a fundo esses assuntos como pelos que não vêem nem mesmo as coisas que são as mais óbvias pra mim. Não escrevo para convencer ou impressionar - escrevo como exercício de pensamento, e I don't give a fuck anyway.

O texto sobre verdade que acabo de postar é um grande exemplo disso.

A escola de comunicação da UFF sempre se empenhou em transmitir um vago relativismo gnoseológico, sofisticado até o infinito pelas mais diferentes perspectivas (sociologia, antropologia, lingüística), mas em essência um vago relativismo. Conceitos típicos são, por exemplo, "processo de subjetividade" ou "historicidade dos significados". Duas frases muito representativas são "Vemos o mundo através de filtros que são históricos" e (supremo non sequitur) "A emergência das ciências humanas é vinculada às estratégias de produção do capitalismo novecentista".

O "senso crítico" da comunicologia é, portanto, essencialmente um conjunto de versões sofisticadas do velho argumento ad hominem. O discurso, o argumento são vinculados a quem os produz e logo ao porquê de serem produzidos. Lembro de, já no processo de acordar desse sono relativista induzido, algumas conversas com as pessoas da UFF. Não eram debates, própriamente, mas exercícios amorfos de soul searching. Nesses últimos meses, passou a preocupar-me o problema de achar razões válidas para a ação política - ou seja, razões extra-ideológicas.

Lembro de uma frase em particular. "A minha professora de Análise do Discurso disse que há ideologia implícita em todo juízo". Mais do que mero relativismo metafísico, essa idéia introduz uma paralisante paranóia do quo bono sobre toda atividade intelectual. Estamos, na verdade, substituindo o simplismo monista da verdade-única pelo simplismo porra-louca do tudo-depende.

Na verdade, tudo depende mesmo, mas isso não significa que não exista conhecimento, não exista cultura, não exista civilização. Fiquei paralisado nessa dicotomia por muito tempo. O relativismo é uma conclusão racional, mas é também um declive escorregadio para a irracionalidade, à barbárie. E claro, o monismo racionalista é completamente irracional, tem inúmeros problemas.

Tudo aqui horrívelmente simplificado, é claro. Tudo tem suas nuances. O objetivo desta narrativa toda é falar do ovo de Colombo. Recebi um e-mail de um amigo inteligente com algumas divagações sobre a verdade, sobre a produção de verdade, sobre a natureza da verdade. O que respondi segue, um pouco modificado.

Uma das coisas mais importantes que já aprendi é a separar premissas e conclusões.

Uma forma muito cômoda de estudar economia seria um intelectualismo veloz à francesa. Alunos de esquerda questionariam o modelo neoclássico porque supõe que já existem plenamente racionalidade e igualdade política e competiçào perfeita, e portanto seriam espertos, teriam senso crítico.

O que vi na PUC é diferente. A PUC tem dois tipos de alunos, competentes e incompetentes. Todos ficam sabendo desde o início que são modelos, modelos baseados em premissas e que levam a conclusões. Discordar das premissas não faculta o direito de ignorar o modelo.

Essa perspectiva, esse modo de se aproximar de um problema é muito, muito poderoso. Revejo agora as discussões, os problemas, os debates da UFF espalhados desordenadamente pelos meus cadernos, e tenho vontade de modelá-los como se faz modelos em economia.

Resolve o duplo problema da politização versus dogmatismo. E permite restaurar o gosto pela lógica nos assuntos cinzentos. Sim, tudo isto é um pouco óbvio, mas passar a pensar o mundo dessa forma é um grande salto. Um grande salto.

17.12.02

Na sabatina ao futuro presidente do Bacen, o senador Geraldo Althoff cometeu o ato falho do ano: "O ministro da Falência, Antonio Palocci..."

14.12.02

Eu deveria começar com um meta-comentário sobre rótulos. Direita, esquerda, direita, esquerda, meia-volta, vollllllver!

Gosto do capitalismo. Gosto de ir ao supermercado e escolher os meus próprios pãezinhos franceses com uma pinça. Gosto de passar meses sem ouvir nada do que o governo gostaria que fosse a cultura nacional. Gosto do individualismo. Gosto de estar cercado de pessoas que são indivíduos, e que não dão a mínima para o que sir Arthur McBradley acha que é o problema do Brasil. Gosto da cultura de consumo. É verdade que a cultura de consumo promove o uso de guarda-chuvas verdes, de pésismo gosto, além de starlets musicais que usam playback, mas é a mesma cultura que me permite colocar o meu rico dinheirinho em discos do The Sea and Cake e do Anglagard, e não da Kelly Key. Gosto dos argumentos de microeconomia walrasiana para o liberalismo - a maximização do excedente social, essas coisinhas. Gosto dos argumentos da escola austríaca para o liberalismo. Gosto de Hayek, elegante como só podem ser elegantes um mosquito, um filósofo ou uma bailarina. Gosto das letras do Rush que falam de liberalismo. What you own is your own kingdom, what you do is your own glory, what you love is your own power, what you live is your own story. Gosto de como qualquer mané com trezentos reais pode jogar com tudo no mercado de capitais, mesmo em aplicações sofisticadas como as opções de compra sobre TNLP4. Gosto de pude comprar uma guitarra sem ter que recorrer ao mercado negro, sem ter que me esconder do governo. Gosto de como posso sair à rua vestido de mulher sem ser preso. Gosto dos lenços de papel Kleenex, macios e, na medida do possível, impermeáveis. Gosto de ler os artigos do Olavo de Carvalho. Gosto de como o Olavo de Carvalho pode chamar o governo atual e o futuro de comunistas filhos de uma hipopótama e não ser preso por isso. Gosto do capitalismo. Gosto.

Não gosto dos artigos em que o Olavo de Carvalho vira um furioso homofóbico. Não gosto do conservadorismo católico. Deixei de ter qualquer coisa contra qualquer coisa - exceção feita ao uso de astrologia nos departamentos de RH das empresas - que não afete o todo da sociedade. De fato, os progressistas católicos me incomodam um pouco mais do que os conservadores católicos, mas pelo geral a ingerência política me incomoda um pouco. Gosto, sim, da Igreja como mega-estrutura política. Gosto de saber as notícias do Papa. Admiro o Papa, e gostaria de bater um longo papo com ele depois de um pouco bêbado, numa choppada de comunicação da UFF - eu já devo estar banido delas. Mas não gosto do conservadorismo, pelo geral. Não gosto do moralismo sexual que a "direita" liberal às vezes espuma. Sou liberal, tanto em matéria de economia como de política, mas não odeio o Clinton e acho ótimo que ele tenha feito das suas com a estagiária. Sou um liberal e não gosto do Bush. Sou de "direita" e gosto de uma música do Blur que prega que as meninas sodomizem os meninos. Quero ser de direita sem ser conservador. Quero poder criticar o Lula e aplaudir as picardices sexuais do Itamar. Sou a favor do comércio internacional, inclusive de pornografia e música ruim. Gosto da alta cultura, gosto de (certa) cultura pop quirky, sofisticada e auto-perceptiva. Acho que a crítica de rock pode ser uma coisa muito mais interessante que a crítica de cinema. Acho Deleuze sexy, embora falho e pretensioso. Gosto mais de seu estilo do que de seus métodos. Gosto de meninas de cabelos escuros curtos. Gosto de objetos culturais que me trazem um clima vagamente subversivo. Prefiro a subversão à "resistência". O uso do termo "resistências" pela esquerda (inclusive em recente seminário transdisciplinar) os torna ainda mais nojentos que os conservadores de direita. Se certo pensamento de esqueda sessentista está morrendo, é porque era uma idiotice, mesmo. Às vezes o liberalismo conflita com a subversão no meu coraçãozinho de lúmpen-intelectual no limbo, mas tomado estritamente o liberalismo cultural é a própria subversão. Gosto de poder gostar de meninas de piercing sem ter que quer usar um. Gosto de poder passar uma mensagem de ambigüidade sexual sem ter que praticar os atos em si. Happens not to be my game, mas gosto de deixar as pessoas em dúvida. Gosto de escalar a linha de prumo, gosto de me equilibrar em cima do muro.

A diatribe clássica sobre rótulos terminaria com "Será que sou de esquerda ou direita?". Ou, reversamente, "Não dou a mínima". Eu não queria entrar em uma diatribe sobre rótulos, eu só queria escrever um monte de frases sobre gostar-não-gostar.

13.12.02

O que eu mais queria neste instante é ser o Brian Scott.

AC/DC ocupa um locus estranho. Não é particularmente inovador, particularmente sofisticado, ou particularmente peculiar. Tem um sabor de óbvio e genérico, mas simplesmente não há um outro exemplo de genérico-hard-rock-AC/DC. Não é apenas o típico caso de inventores de gênero que se tornam genéricos; não há clones de AC/DC como há clones de Black Sabbath, e isso é dizer muita coisa.

Por outro lado, AC/DC é um exemplo eloqüente de como as coisas mais simples, mais anti-cerebrais do rock trazem toda uma bagagem de significados culturais bem mais sofisticados. Quando uma banda se torna tão popular como esta, os significados penetram a consciência coletiva. O uniforme escolar do Angus Young é, antes de tudo, uma referência a uma tradição repressiva da educação britânica. E fica claro, na sua selvageria epiléptica no palco com a guitarra todo um discurso que está espalhado pelo rock - oposição à academia, o rock versus a escola, liberdade versus repressão. Não por acaso existe um filme por aí chamado "Rock'n roll High School", com o Twisted Sister ou o Ramones, não lembro.




Há um outro filme que explicita como pode ser política e revolucionária a sátira e a desconstrução da hierarquia da educação britânica: "If", de Lindsey Anderson. Legítimo representante do free cinema inglês, compartilha com algumas coisas americanas como "A primeira noite de um homem" a subversão declarada, sem meias palavras, de um final desconcertante. Em "If", os estudantes, liderados por Malcolm McDowell (o protagonista de "Laranja mecânica") pegam em armas contra a escola, contra os professores, contra o sistema.

É um filme fascinante, que quase ninguém viu. Mas essa mitologia toda da educação repressiva britânica, do angry young men britânico, e ao mesmo tempo do rock como subversão da academia (we don't need no education) está lá, na presença de palco convulsiva de um guitarrista que por si só não tem nada de especial. Na verdade, bandas como o AC/DC são muito mais interessantes do ponto de vista da crítica de rock do que coisas como Stratovarius - é algo que me deleita, mas que está colocado de forma muito simples e direta numa tradição específica.

Quero crer que em determinado momento o modo industrial de produzir música - com um aparato massivo de propaganda que é capaz de te fazer gostar de qualquer coisa - não torna o mundo da cultura pop determinístico. Eu continuo vendo Strokes como algo que furou o cerco. Algo que traz tantos signficados culturais pendurados em cada pequeno detalhe que se torna popular porque cria uma experiência sofisticada e polissêmica. Nesse sentido enviesado, Strokes é mais herdeiro de AC/DC que de Velvet.

Preciso, um dia, sistematizar todos esses meus conceitos. Me fascina, quando leio Robert Duncan, como ele faz, a partir de manchinhas, um quadro impressionista da zeitgeist de sua época. Nosso tempo não tem um narrador desses. Ah, as ambições...

8.12.02

Os meus oxímoros favoritos, número 10: "A melhor balada a tocar no rádio"

7.12.02

No fundo, os canhões de 'For those about to rock' do AC/DC são os mesmos canhões da "Overture 1812" de Tchaikovski. Com a pequena exceção de que um fala de epicurismo, e o outro de estoicismo.

5.12.02

Será que eu fui o único que percebi como aquele novo hit
dos The Hives é igualzinho a "Song 2" em riff e estrutura?


You%20are%20The%20Great%20Escape
Which Blur Album Are You?

brought to you by Quizilla




Eu deveria escrever mais. Comecei com a firme resolução de não me permitir escrever demais. Em parte porque, em fim de período, não podia me permitir ficar tempo demais sem fazer nada, ou fazendo coisas que não conduziam a um CR maior.

Fiquei, do mesmo jeito, aprimorando a minha palhetada alternada e correndo atrás da burocracia pra abrir uma conta em uma corretora de ações. No entanto, nada de escrever no blogue.

E bem, isso pode ficar preocupante. Aparentemente, tenho um pequeno número de visitantes fiéis - gente que eu não conheço, com provedores de cidades que nunca visitei, e que volta todos os dias pra ver se algo de novo aconteceu. Vão acabar desistindo se essa pasmaceira continuar.

Parte do conflito que imobiliza o blog é o seguinte: o Amigo Kauffie me adverte contra a autocomiseração juvenil da CT. E eu bem sei que às vezes a auto-indulgência emo pode estar muito abaixo dos limites do bom gosto.

(Literatura emo! Como ninguém pensou nesse conceito antes? O que explica a profusão de histórias estritamente pessoais pela web mais claramente do que comparações com Paris-Texas e Sunny Day Real Estate?).

Há um impasse. Ser grandiloqüente exige tempo de pesquisa, e o tom messiânico acaba soando falso do mesmo jeito. Principalmente em um blog. Ser imediato e emo gera uma grande produção de interesse nenhum.

O que é que eu quero dizer, mesmo?

Então, os Corvus Corax. Eu fico mesmo sem saber se o leitor típico vai pescar as referências. O objetivo final de um blogue seria criar um sistema pivotante de inter-referências , mas eu estou cansado de fazer planos.

O fato é que os Strokes andaram sendo exaltados por aí como salvadores messiânicos, como redentores, como um return-to-basics que tiraria o rock do naufrágio.

Há formas demais de ler isso. Por um lado, mais do que quinze clones de Creed, o sucesso dos Strokes trouxe sustentação material que fará com que a indústria continue investindo em bandinhas por mais algum tempo.

*pausa para aprender o solo de guitarra de "Trying your luck"*

Mas é claro que isso não é o mais importante. Se eu desse a mínima para o futuro econômico das bandas de rock como um todo, adoraria a agonia plastificada do Kurt Cobain.

Strokes é uma banda muito bonitinha. Tem três músicas irrepreensíveis - "Is this it?", "Barely Legal" e "Trying your luck".

Pelo menos na minha cabeça - e é isso que importa, porque este blog é sobre o fascinante universo cultural que é a mente de Diego Navarro - "Trying your luck" conta a história de alguém que tenta se aproximar, conquistar uma pessoa por tédio, por carência, e por tentar o risco. "I'm trying my luck with you".

E se não for, eu não dou a mínima. Aspirante a produtor de cultura, tentei compreender as relações entre obra e interpretação, entre criação e representação, essas coisas todas. Consumidor de cultura, ouço música como um apreciador de queijos.

Bom, de volta ao tópico. A coisa realmente inteligente sobre Strokes é a dialética entre o discurso do world-weary, tirado diretamente do Velvet Underground, e o da fragilidade, que motiva comparações com os geeks do Weezer.

Velvet está vomitado diretamente em "Last Nite" e "The Modern Age". Mais interessantes é a fragilidade que está numa "Trying your luck". Depois de "Paranoid Android", é a música que vem à minha mente quando as pessoas começam a me tratar como um CR ambulante.

O que nos traz de volta ao tema do pessoal versus intelectual. Esta não é a Dialética do Iluminismo de Theodor Adorno, ou o Cânone Ocidental de Harold Bloom. Como a vedete do "TNT Independente", acredito que ninguém vê o mundo como eu vejo, e o tema do blogue é o mundo como idéia, o mundo como representação na minha cabeça.

O fato é que Strokes não é messiânico. Strokes é desesperado. Não num sentido agonia-plática à Nirvana, mas no sentido de abandono completo a alguma coisa que faça algum sentido. Na letra de "Barely Legal" é o sexo, na de "Trying your luck" é o flerte gratuito, mas em todas as músicas, é o abandono com que a música é feita.

Cada nota repetida do riff agudo de "Trying your luck" diz "isto é tudo o que eu sei fazer direito, mesmo".

Corvus Corax é outro jogo inteiramente. Os Corvus Corax não se auto-intitulam salvadores, mas propõem uma ruptura radical com as mitologias que os Strokes abertamente abraçam e fundem. E não usam guitarras.

Strokes, nesse sentido, seriam conservadores. "Trying your luck" um manual de leitura de Burke.

Embora Corvus Corax freqüentemente incorpore a tradição fascista do heavy metal, há um elemento primal, masculino, que se opõe diretamente à sofisticação cultural do mito meramente retórico da violência pela violência do heavy metal. Todo tipo de gente frágil ouve heavy-metal porque transmite força.

Corvus Corax não transmite força. Pelo contrário, dá uma sensação de fraqueza relativa. O ritual fascista da música neo-medieval tem claros os líderes, os objetivos, e a exigência de deixar tudo pra trás. Sem palavras, "Bärentanz" berra "juntem-se à tanzwut, à dança da morte" - às colunas de pessoas que ao saber da peste negra passaram a rejeitar o mundo e dedicar-se a celebrar a vida até as últimas energias.

Só um objeto cultural tão intensamente primal e messiânico como o Corvus Corax pode ser pensado como "salvador". Perto deles, eu e os Strokes somos menininhas frágeis.

2.12.02

Os Corvus Corax são os verdadeiros salvadores do rock.

E tenho dito.