Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

30.4.03

Bovespa = Serra Pelada.

28.4.03

A teoria dos cem dias

Memes são coisas interessantes: idéias inteiramente arbitrárias que se propagam com extraordinária velocidade e às vezes ganham força de verdade. É um conceito mais amplo que o de rumor: o boato refere-se a uma novidade que ainda será anunciada. Um tempo atrás, circulou a meme de que "Crimson and Clover", choroso hit do pop mauricinho dos anos 60, seria do Velvet Underground, a ameaçadora banda de Lou Reed celebrizada por suas canções sobre heroína e sadomasoquismo.

Não foi muito difícil: bastou jogar na net uma mp3 com o crédito errado.

De fato, nem toda meme se pretende "verdade". Vide a ubíquita obra-prima do cinema contemporâneo, All your base are belong to us. Trata-se de uma meta-meme descrevendo a sua própria conquista da Terra. É fabuloso.

Eu suponho que, chegando ao conhecimento de uma grande população em que ninguém tivesse conhecimento de gramática inglesa, passaria por inglês correto, adquirindo estatuto de verdade. Ora, a meme se torna verdade quando se encontra com um deserto intelectual. Não sabendo o suficiente para perceber quando algo recende a bullshit. Aí entra toda a galeria de patranhas que professores de comunicação regurgitam sobre economia, história e política.

Quero crer que a experiência acaba por ensinar aos jornalistas o que eles deveriam ter aprendido durante sua formação. But, to no avail. É impossível que um curso de quatro anos forme especialistas em economia, ciência política, criminologia e futebol. E então os nossos valorosos formadores de opinião se apóiam na opinião dos "especialistas".

Não sou defensor do "senso comum" como parte da cena blogueira liberal. A realidade é freqüentemente contra-intuitiva, e como diz C.S. Lewis, "All your base are belong to us". Er, não, "o que aprendemos da experiência depende do tipo de filosofia que trazemos a ela. Logo, é inútil apelar à experiência antes de elaborarmos, dentro das nossas possibilidades, a questão filosófica."

Ainda assim, surpreende como predominou a teoria dos cem dias. É uma formidável meme Supostamente, todo governo desfruta de cem dias de trégua, ao final dos quais será julgado. Ora, o que vimos foi um grande período de forte excitação política, cem dias antes e cem dias depois da posse, que serão seguidos de três anos de apatia. Lembro, às vésperas da eleição, os cartazes em um dos CA's da PUC: "Só um golpe tira a vitória de Lula". Esse foi o ponto alto da excitação política.

Ainda durante os primeiros dias depois da posse, muito se prestou atenção a cada ação do governo. Os encontros, as decisões na área econômica; Fidel, o primeiro encontro do Copom, foram seguidos com preocupação e interesse. É apenas natural; não havendo precedentes, as pessoas temem ou esperam as mudanças.

Passados os cem dias, acabou a malha fina. A partir de agora, all your base are belong to Lula.




25.4.03

Frases imortais

"Em matéria de economia, sigo as orientações do senador Mercadante" -- Antonio Palocci, ministro da Falência, er, Fazenda.

24.4.03

Estou tendo dificuldades para escrever no Anacoluto estes dias. Aos novos, recomendo ler os posts antigos, que não perderam de todo sua validade. Aos habituais, peço que durante o hiato rezem a Mingus pela alma deste cavaleiro andante.

21.4.03


just do it



20.4.03

Os porquês

Para os de pouca visão, eu sou um tipo pretensioso, um pouco pedante, com mais superfície do que substância. Os mais espertos reconhecem em mim o herói trágico, inflamado de hybris, que tenta realizações além de sua capacidade e cai derrotado pela força dos obstáculos.

A verdade é mais simples: eu sou um pouco imediatista, e movido a excitação intelectual. Há uma indelével camada de cultura que me impede de apreciar as coisas babacas da vida, como churrascos que são desculpa para beber álcool de modo a ter coragem de fazer ridículas investidas pseudoromânticas em desconhecidas. Não que eu não goste de beber, entre amigos e amigas: não há nada tão liberador quanto aquele momento de verdade sem filtros.

É essa minha segunda pele que faz com que eu não aprecie a aurea mediocritas do pagode-cerveja-mulheres. É uma pena, porque gosto de mulheres. O ponto é que as formas tradicionais de excitação e alegria fáceis não fazem nada por mim, e eu sou impelido a buscar formas mais sofisticadas de excitação e alegria - para as quais nunca sei se sou feito de matéria densa o suficiente.

É uma relação custo-benefício complicada, mas eu adquiri esse vício. O pior é que não tenho a vocação ascética dos grandes gênios. No fim, fico perseguindo uma espécie comum de humanismo total (matemática, antropologia, música, literatura) não por uma estranha razão ética de pairar acima dos comuns (e creio ter derivado pela lógica a ética usual do don't-hurt-be-nice-help-those-in-need), mas por uma forma distorcida e contrita de hedonismo. Isso faz com que eu seja fundamentalmente diferente tanto do Cláudio como da Kinha.

Nada é fácil de entender.

Até o panorama melhorar, serei bígamo. Esperei por dois dias a volta do SquawkBox, e ele continua fora do ar. Instalei um novo sistema de comentários sem retirar o velho.

Os anacolutenses devem escolher a caixinha de comentários que preferirem, ou a que estiver funcionando.

19.4.03

Será possível que a esquerda esteja amadurecendo?

18.4.03

Preciso de um baterista. Se você mora no Rio e é um sem-banda, deixe seu nome e e-mail na caixinha de comentários abaixo.

17.4.03

A história de Mestre Jonas pode ser uma parábola sobre o funcionalismo público? Será que o André Abujamra é esperto assim? Ou será que o Jonas bíblico já era o que em sindicalês se chama SPF das IFES?

16.4.03


Dentro da baleia mora Mestre Jonas
desde que completou a maioridade
a baleia é sua casa, sua cidade
dentro dela guarda suas gravatas, seus ternos de linho
e ele diz que se chama Jonas
e ele diz que é um santo homem
e ele diz que vive dentro da baleia por vontade própria
e ele diz que tá comprometido
e ele diz que assinou um papel
que vai mantê-lo preso na baleia até o fim da vida
até o fim da vida.
Dentro da baleia a vida é tão mais fácil
nada incomoda o silêncio e a paz de Jonas
quando o tempo é mau, a tempestade fica de fora
a baleia é mais segura que um grande navio.


Rock brasileiro de qualidade. Incrível. Existe. Os Mulheres Negras. Aparentemente é uma banda antiga do André Abujamra. Ouvi "Mestre Jonas", que entrou na trilha sonora de "Durval Discos". Na MTV, por acaso. Fiquei muito, muito surpreso.

Recomendo baixar do site do filme.

15.4.03

E, num típico metacomentário-de-blog, à minha amiguinha palindrômica (miss you, sweetheart): eu sou um gosto adquirido, como John Coltrane. Às vezes, pessoas de mente simples e vida simples gostam de John Coltrane porque sim. Às vezes até porque gostam do timbre do sax dele. Ou porque ele toca "My Favorite Things".

E às vezes pessoas sofisticadas, com doutorado em Arquivologia, ouvem Chico Buarque e Caetano. Losers. Quero estar cercado pelas pessoas que gostam de Trane. Mas uma exceçãozinha está sempre aberta para você.

Sempre tentaram me dizer que Cuba era um caso à parte, complexo demais para ser julgado nos mesmos padrões que outras ditaduras.

Pois bem: existe um país, chamado Lalalândia, em que 78 dissidentes, entre eles jornalistas e economistas, foram presos sumáriamente de uma cartada só. Três já foram executados. E todas as nações razoáveis do mundo deveriam estar condenando essa atitude.

Só que esse país não se chama Lalalândia, mas Cuba. Não foi Oscar Wilde que apontou primeiro a importância de se chamar Ernesto?

11.4.03

É possível que tenha sido a campanha política mais cara da história do Ocidente. Custou, por baixo, uns 600 bilhões de reais - dados do site do IPEA. À cotação atual, duas mil toneladas de ouro. Nabucodonosor nunca sonhou com tanto.

Tudo uma farsa para chegar ao poder.

OH FUCK!

10.4.03



... well, because m'lud freedom is a state much prized within the realm of civilized society. It is a bond wherewith the savage man may charm the outward hatchments of his soul, and soothe the troubled breast into a magnitude of quiet. It is most precious as a blessed balm, the saviour of princes, the harbinger of happiness, yea, the very stuff and pith of all we hold most dear. What frees the prisoner in his lonely cell, chained within the bondage of rude walls, far from the owl of Thebes? What fires and stirs the woodcock in his springe or wakes the drowsy apricot betides? What goddess doth the storm toss'd mariner offer her most tempestuous prayers to? Freedom! Freedom! Freedom!

(do Monty Python's Flying Circus)




8.4.03


You cannot have both. I mean a fish having a meeting one billion years ago under the water and saying: "We are fish, we have all this power, now it is time to conquer the land". But you cannot conquer the land while remaining fish. You can't go to the real world remaining mathematicians; that's absurd. Either you study real problems in the real world - it's a remarkable intellectual challenge, or you remain a mathematician.

(M. Gromov, Dead Sea discussions, in: GAFA 2000. Visions in Mathematics)


Tirado daqui. O autor é um matemático, o que torna a agressão políticamente correta. É um pouco como só negros têm direito a dizer nigger.

4.4.03

A lista CINEMABRASIL anda aprontando mais uma: um boicote ao cinema americano. Este texto foi escrito para lá, mas fiquei feliz com o resultado, e copieicolei para a apreciação dos anacolutenses.



A UFF - aliás, o prof. João Luiz Vieira - tem o mérito de mostrar Griffith aos seus alunos logo nas primeiras semanas de aula. Quer dizer, não só a tecnologia "cinema" foi inventada efetivamente por Edison (os franceses não fizeram mais que criar a sala de projeção), como criaram a própria linguagem visual do cinema de ficção como ainda usamos hoje. E apesar de toda a importância atribuída pelos teóricos ao "dispositivo" que representaria a sala, o fato é que cinema em nickelodeon (maquininha para consumo individual) continua sendo cinema - como continuam sendo nossos home-theaters - enquanto não há dispositivo sem tecnologia.

A experiência americana é fundamental no processo de construção do mundo como o conhecemos hoje, e se você começar a enumerar as coisas que são símbolos do espírito americano e que deveriam ser boicotados, vai ficar com pouco mais que tulipas holandesas e engenhos de açúcar. Raios, a forma como experimentamos e compreendemos Bach hoje se deve em grande parte a um americano. Mesmo a idéia que temos de desobediência civil se deve a um americano. Thoreau precede os socialistas utópicos franceses em ainda mais tempo que Glenn Gould precede Zoltan Kocsis ou Edison precede os Lumière, ou ainda a revolução americana precede a francesa.

Quando Edison, já famoso, anunciou que inventaria uma lâmpada elétrica, as ações de companhias de gás no mundo todo desmoronaram imediatamente. Muitos cientistas de todos os países tentaram chegar antes do inventor americano. Edison, que não tinha formação científica, demorou anos a conseguir montar um protótipo que funcionasse. Paris continuava sendo a cidade-luz, mas algo de muito simbólico estava acontecendo quando a interiorana Menlo Park foi a primeira rua do mundo a ter iluminação elétrica. Coisas como essa são as experiências formadoras do nosso mundo - que não é o mundo de Kant e Hegel, mas de Marshall e William James.

Alguma coisa está acontecendo agora? Alguma coisa esteve acontecendo quando o mundo se calou sobre os atentados de NY? É difícil saber. Quem é o "feiticeiro de Menlo Park" do mundo árabe que quer se colocar como bloco de oposição, ou do terceiro-mundismo rebelde? O que é certo é que Nova Iorque é hoje o que Paris era em 1900: pode estar em franca decadência, mas é o símbolo que tudo o que a civilização do nosso tempo tem de mais rico. Se vocês estão dispostos a se privar disso em nome de uma posição política que nunca acabaram de compreender, beem, é uma das opções que o sistema capitalista oferece. Eu vou tomar emprestado com um amigo uma cópia do "A noite americana", e não acharei que estou ajudando a fazer parte de alguma coisa.

3.4.03

Últimas palavras sobre a guerra antes do fim

(...)We serve an old moan in a dry season
A lighthouse keeper in the desert sun
Dreamers of sleepers and white treason
We dream of rain and the history of the gun
There's a lighthouse in the middle of Russia
A white house in a red square
I'm living in films for the sake of Russia
A Kino Runner for the DDR
And the fifty-two daughters of the revolution
Turn the gold to chrome
Gift...nothing to lose
Stuck inside of Memphis with the mobile home, sing:

Mother Russia
Mother Russia
Mother Russia rain down down down
(Sisters of Mercy, "Mother Russia")



Sempre fui contra o hábito de postar letras de música em blogs, mas as únicas palavras sobre guerras no fim estão em letras de música. Quando da derrubada do Talibã, citei "Something for nothing". A derrubada do Talibã teve o gosto civilizatório da vitória da razão sobre a barbárie pura, mas a queda de Saddam dá apenas a sensação de estar vivendo em um mundo cada vez mais complicado.

2.4.03


É preciso estar atento e forte; não temos tempo de temer a morte