Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

31.3.03

O anacolutismo também é um antimovimento

Acho que muitos anacolutenses estão cansados de textos sobre matemática. A minha visitação teve uma queda violenta depois de "Meditando sobre Cálculo II", postagem que alguns especialistas encaram como uma mudança nos rumos do anacolutismo.

O anacolutismo continua vivo, e tem ainda muito a ver com música, política, sistemas pivotantes de significado e a firme convicção de que mais opção é preferível a menos opção. Sempre. E não é por amor à audiência que mudo um pouco de assunto hoje. De todos modos, o anacolutense descontente sempre deve manifestar-se na recentemente inaugurada caixinha de comentários aí embaixo. Mas vamos ao assunto.



Tenho percebido que boa parte da cena blogueira de direita - e nisso se incluem alguns dos anacolutenses que mais aprecio, como o Cláudio e o García Rothbard - são melômanos, partidários da música clássica. Certamente, Emperor não é a banda mais adequada para iniciar um melômano no rock. O meu próprio caminho foi tortuoso. Fui, durante a adolescência, um partidário radical da música erudita. Já fui daqueles que sabem grande parte dos recitativos de "La Vera Costanza". Sou o filho de um violonista erudito, e tive uma convivência próxima com a música que não tem preço. Principalmente quando queremos nos meter a grandes tarefas como uma atividade crítica intelectual de rock.

Recomendo uma iniciação com Univers Zero. O som e a estrutura serão familiares; o seu rock consumer típico nem mesmo perceberá que se trata de rock. E o Michel Breckermans é um oboísta muito divertido. Mais sobre isso algum dia.

Costumo ser partidário dos batismos de fogo: não há outro lugar para iniciar um fã de rock na música clássica que não a "Arte da Fuga". Tenho feito um bom trabalho nesse campo, fundamental para sofisticar a apreciação do próprio rock, mas não tentei ainda o caminho oposto. A regra do batismo de fogo mandaria iniciar um melômano com Buzzcocks ou Emperor.

Mas Buzzcocks é uma banda idiota, e Emperor não é a banda mais adequada para iniciar um melômano no rock por duas razões muito fortes. A primeira é que a sua variante extrema de black-metal só começa a fazer sentido quando você tem uma idéia muito firme do sistema de gêneros, da sua evolução, e do que uma massa essencialmente amorfa de som como "Into the Nightside Eclipse" significa em relação a esse sistema de gêneros.

A segunda é que seu disco mais importante, que discutirei hoje, é uma massa essencialmente amorfa de som. Melômanos estão acostumados à cor, e rock é, em geral, em preto-e-branco. Sei da minha experiência: enquanto eu reconhecia o estilo de alguns regentes de orquestra, não encontrava diferença funcional entre lambada, Pantera e Little Richard. De fato, Emperor é muito extremo mesmo para um fã de rock bastante avançado, daqueles que navegam confortávelmente entre a jazz-fusion, variantes excêntricas do heavy-metal e pitadas de avant-prog à UZ. Não ajuda que o disco seja mal mixado; é difícil estabelecer até que ponto a mística do "Into the Nightside" que não sobrevive em um disco muito mais sofisticado que é o "Prometheus" se deve à gravação plana, comprimida, ou à perda de vários membros fundamentais, entre eles o baixista Mortiis - que em carreira solo acabou se tornando um faux-medieval à Sopor Aeternus.

Mas esta é uma massa amorfa de som muito diferente de algumas coisas feitas explícitamente nesse sentido. Não é a musique d'ameublement de Brian Eno. E não é a dissonância-pelo-ritmo das sinfonias de Glenn Branca. Há uma estrutura bastante tradicional mantida aqui: bateria, guitarras interlocking, teclados. Uma das primeiras coisas que chamam a atenção define justamente a importância da presença de Mortiis: as suas letras. É fato que as letras de Mortiis tem muito mais de um certo sentido ozzyosbourneano de auto-paródia, de entretenimento com a própria mitologia de noruegueses vikings seguidores das antigas religiões. Mas da forma que são cantadas, as letras são essencialmente incompreensíveis - ouve-se apenas algo como uma tosse rouca, um latido, que acaba formando parte do ataque sonoro tanto quanto a barragem de guitarras e a bateria. Na verdade, a estrutura rítmica das letras é o que há de interessante aqui: sem Mortiis, os Emperor tiveram que recorrer à melodia, inteiramente ausente nos vocais aqui.

Para um fã de heavy-metal experiente - mas virgem de black-metal norueguês - e disposto a entrar nesta, a primeira audição do "Into the nightside" será principalmente uma experiência brutal, evocando paisagens geladas povoadas por guerreiros. À medida que o som vai se distingüindo, percebe-se a tempestade de gelo na interação rítmica da bateria com as letras de Mortiis. É algo bastante interessante de se acompanhar.

Mas como em quase todo álbum de rock, há coisas mais interessantes na semiogênese do que na música própriamente dita. O black metal norueguês tem um caráter de movimento que não cabe historiografar aqui. E embora de uma perspectiva puramente histórica haja marcos mais importantes como os primeiros discos do Mayhem, eu percebo o impacto cultural do Emperor como sem paralelos no heavy-metal menos mainstream.

Metaleiros às vezes têm uma obsessão por veracidade que os aliena das coisas mais interessantes do rock - em geral, longe do heavy metal, longe do purismo, em combinações inusitadas e geradoras de sentido; neste caso, o impulso pela veracidade passa longe do marketing e da inserção no gênero.

Para fazer um recorte anedótico, o vocalista Ihnsahn tem um prego imenso na testa, que ele mesmo enfiou com um martelo numa festa em um desses porões onde a disenfranchised youth se reunia para recuperar os "valores fundamentais" da civilização viking que teriam sido reprimidos pelo cristianismo - a dimensão da violência como geradora de sentido, como criadora de verdade - para usar um conceito familiar, embora não aplicável a este sistema mítico em particular, o sentido do Valhalla, da guerra como redenção.

É desnecessário ressaltar o tipo de controvérsia que isto deve ter gerado; este artigo dá toda a historiografia em detalhes, incluindo a relação complicada de religião e estado na Noruega, os personagens mais interessantes deste movimentto pseudoreligioso neo-viking. Resumidamente, os membros do Emperor começaram a se envolver em vários episódios de incêndio criminoso de igrejas de madeira do século XIII. E estão todos presos. É muito interessante ler sobre o assunto em detalhes.

O que é importante aqui é a como essa mitologia toda envolve o disco; como um movimento neoviking ultranacionalista - que rejeita até o cristianismo, presente no país desde o ano 995 como "intruso" - se manifesta através de guitarras, um dos símbolos mais vitais da civilização ianquecêntrica; como se espalha pelo mundo e cria sentidos e significados distintos para populações inteiramente alheias uma representação direta e sincera de um movimento sinceramente violento, alimentado por mitos fundadores - a citação da namorada de Insahn no artigo que acabo de lincar é reveladora: "None of the
Gods in Norse mythology are weak like Jesus is weak".

O que significa para Diego Navarro, aprendiz de economista, o consumo de uma massa brutal de som como "Into the Nightside Eclipse"? Quer dizer, eu estou aqui mais ou menos no mesmo ponto que, por exemplo, o meu amigo Caveira "Brutal", que estuda matemática aqui na PUC. Há sentido sendo criado aqui. Arte é a criação de significado. O significado está sendo constante e invisivelmente criado como a riqueza está sendo constantemente criada. Excluído o maelström técnico, o seu valor teórico, a "Arte da Fuga" é um exemplo sofisticadíssimo de códigos se interpenetrando - códigos que vêm de um contínuo de evolução que vai desde o alvorecer da música polifônica no fim da idade média.

Dito isso, Univers Zero para quem resolver se aventurar. Vale bem a pena, mesmo que você nunca vá além. Se alguém tiver uma gravação da Arte da Fuga que eu não tiver - eu faço coleção - podemos trocar em CD-R.

28.3.03

Novo babado - fortíssimo!

Buemba! Buemba! Vazaram as fotos do próximo ensaio sensual do site Paparazzo. A retratada é a sempre querida e popular função de Cobb-Douglas, preferência nacional. O ensaio sensual mostra as curvas sensuais da topologia enxuta da nova mania carioca.







26.3.03

Meu filho vai saber sobre espaços métricos assim que começar a entender os números e as operações básicas.

E pensar que eu tive que esperar até os vinte anos pra ficar sabendo disso...

23.3.03

"As a boy, Russel had sung in the choir at the Chapel Royal, Windsor Castle, was boy soloist to Queen Victoria and sang at her funeral. The choirboys were allowed to run of most of the castle with one proviso - that the Queen should appear, they were to disappear - on pain of death. Russell told me of a most strange encounter.

At that time amateur performances were frequently staged in the castle with members of the royal family and others in the cast, and arrangements had been made for the celebrated wig-maker Willie Clarkson to make and dress the wigs. Now Willie Clarkson was a homosexual with a predilection towards choirboys - and Russell and his fellow choristers were eminently aware of this: each new boy joining the choir was warned, watch out for Willie. One day, Russell and another boy were nearing the end of a long gallery (half a mile long, Russell used to say) when they heard Willie's mincing voice calling from the other endd, 'Choirboy - choirboy!' Russell's friend was off like a shot but Russell was trapped as the panting Willie caught up with him and pleaded, 'Choirboy - help me - you must do something for me. My inside has been in a terrible state and only this morning I took some tablets, then on the way down I could feel them beginning to work - there was no lavatory on the train; the one at the station is out of order and I need one desperately - now!'

Russell who knew the castle well, said, 'The nearest one is the other side of the courtyard...'

'I can't get there', simpered Willie.

'Well, there is one here, but it is for the private use of the Queen.'

'I don't care - I'll have to go - where is it?'

'Just up that little flight of stairs, on the right - but you'll be shot.'

'Then keep guard for me,', groaned Willie as he shuffled up the steps.

Russell stood there apprehensively when suddenly from the distance he heard a voice, a voice crying, 'Make way for the Queen!' Terrified, Russell looked around. It was now too late to run, but a large tapestry hung on the wall: he slid in behind it and flattened himself to t he wall ('I hid behind the arras', said Russell in later years). Through the crack he saw the royal party come round the corner and advance down the gallery - the procession was headed by the Lord Chamberlain with his Ward of Office followed by some Gentlemen-at-Arms; then came a wheelchair of basketwork in which was seated the aged Queen Victoria, Empress of India, Defender of the Faith. At the four corners of the chair walked four enormous Sikhs resplendent in their turbans and uniforms, sabres at their sides...

'Make way for the Queen!'

Russell trembled as they moved slowly along. But then, horror upon horror, as they drew level the procession stopped and he heard the creaking of someone getting out of a basketwork wheelchair and then the tap-tap of an ivory-mounted ebony cane helping someone up the steps, followed by the sound of a brass handle being turned...

A Germanic 'Aaargh' rent the air... Willie Clarkson's plaintive voice could be heard saying, 'It's only me, Your Majesty, Willie Clarkson - Your Majesty's Perruquier - sitting on his own initials.'"

(das memórias de Donald Sinden, "Laughter in the second act")

20.3.03

Referências

Estou cansado de falar de coisas graves. O meu e-mail está cheio de pequenas homilias pela paz e grandes diatribes antiamericanas, mas não tenho mais energia para continuar nessa. Alguém quer fazer o favor de assumir a partir daqui? Deixe a sua URL nos comentários que eu linco, ali no painel da direita. De fato, eu estava sem energia para blogar at all, mas a Kinha pediu com jeitinho. Então vamos lá.

É divertido ponderar com as décadas vindouras vão estruturar a narrativa desta guerra. Se for uma guerra curta, certamente ficará marcada como atrelada a um objetivo e nada mais. Mas se for um conflito longo, envolvendo vários países, ganhará contornos similares à guerra mundial de 1939-45. E nesse caso, o marco inicial não será o ataque de ontem, mas os eventos de 11 de setembro de 2001.

De fato, uma guerra "mundial", de grandes proporções, deixa de ser sobre situações específicas - como a Alemanha invadindo a Polônia - e passa a ser sobre valores maiores, sobre grandes ideais. A guerra de 1939-45 foi sobre muito mais do que derrubar um bigodudo perigoso para o mundo - foi uma guerra contra o nazi-fascismo, fenômeno original de seu tempo. Mas isso já são as coisas graves que eu não queria discutir. Às leviandades:

Onde você estava quando os atentados de 11/9 aconteceram?

A UFF estava grevando. Sim, eu estudava na UFF. Comunicação Social (yep!). Mas eu estava decepcionadíssimo com o curso, e preparando-me para novo vestibular. Enrolado com a matemática, eu tinha decidido matricular-me num cursinho pré-vestibular, e começara no dia anterior. As aulas acabavam às dez da noite, e foram cansativas o suficiente para que eu dormisse até umas dez da manhã do dia seguinte. Teria dormido mais, se não tivesse sido acordado.

A impressão mais forte que tenho é a da câmera fixa da Globo, provavelmente em seu escritório em NY, em que as torres gêmeas eram vistas com o mar ao fundo, e nada mais. A impressão subjetiva de que a cidade estava afundando. Passar vinte, trinta minutos assistindo a uma imagem fixa na TV tem os efeitos psicológicos mais interessantes: o bombardeio ontem começou à meia-noite, mas depois de alguns minutos eu tinha a sensação de que estava amanhecendo aqui.

Mas esse tipo de identificação não aconteceu back then. Em vez disso, a imagem dos dois últimos prédios do mundo visível em chamas, com o mar como único fundo e único entorno, traziam a nítida imagem do clássico fim do mundo como o conhecemos. E claro, a idéia de que estavam acontecendo essas coisas simultâneamente em todo o país. Parecia que seria um longo dia de surpresas.

Não foi. Depois das duas torres e do Pentágono, nada mais aconteceu. O mundo voltou ao normal lá pelas 13 horas daqui. Ou será que não?

14.3.03

Refletindo sobre Cálculo II

Aquecendo os tamborins para Teoria Microeconômica I, estive revisando os conceitos e teoremas de Cálculo II. Numa explicação resumida, o ciclo de Cálculo na PUC tem quatro períodos, dois dos quais são obrigatórios para economia. O Cálculo I ensina uma mini-análise, derivação e integração a uma variável; o II cobre uma mini-topologia, derivação a várias variáveis e otimização. Presumidamente o III consiste em integração múltipla e o IV em equações diferenciais ordinárias aplicadas à engenharia.

Cálculo I foi um curso maravilhoso, que me fez sorrir e me fez chorar. Aterrisado diretamente de uma aula de Cinema de Animação com o prof. Moreno na sexta-feira, acordei segunda de manhã assistindo à primeira aula de matemática do resto da minha vida. Foi uma época bastante contraditória: enquanto eu estava fascinado por certos aspectos construtivos do cálculo, a prova de integrais foi uma dreadful experience. Lembro-me de encerrar-me por três tardes inteiras na biblioteca resolvendo dezenas e dezenas de exercícios muito parecidos.

Cálculo II também teve uma primeira parte teórica, mas eu estava escaldado o suficiente para ficar esperando, com o coração frio, a parte onde esses novos conceitos interessantes seriam usados para em prol de procedimentos chatíssimos. Muito da primeira seção de cálculo II nunca foi aplicada à parte de otimização, e hoje arrependo-me de não ter aceito melhor as aulas teóricas do prof. Derek.

O método geral de otimização foi sendo construído lentamente, usando a maioria dos conceitos da primeira seção - embora muito não fosse necessária para "fazer as contas" - e foi se tornando tão grande que passei a maior parte do tempo dedicado a cálculo II procurando aprender os teoremas como as tábuas da Lei que só agora percebo a artificialidade de construções como o Lagrangeano.

Essas coisas parecem ser feitas de modo a serem programáveis. Literalmente, não é difícil fazer com que um computador derive, dada uma rotina esperta de leitura de uma string. Por outro lado, não creio que seja fácil fazer com que um computador integre. É possível fazê-lo aqui, ou com um pacote qualquer de computação simbólica. Mas toda a segunda metade de Cálculo II foi dedicada a um algoritmo relativamente linear: com um par de rotinas de derivação e cálculo de determinantes, não é difícil construir um programa que resolva a grande parte de seus problemas.

Um dado módulo de conhecimento objetivo difícil pode ser muito excitante, ou pode ser frustrante e tedioso. Internalizar aquelas duas ou três regras de integração foi terrívelmente frustrante, e acabou com grande parte da excitação conceitual por trás das integrais. Pensei em mim mesmo a vida inteira como um cara de "humanas", e antes da PUC nunca tinha visto uma integral a cem metros de distância, mas uma vez tentei uma solução intuitiva numa prova de vestibular que era uma tentativa de integração numérica.

Mais tarde descobri que Arquimedes já conhecia o que eu tinha tentado - o "método da exaustão". Estritamente falando, era como a demonstração que Isaac Asimov descobriu para o último teorema de Fermat - não era, e o próprio Asimov sabia minutos depois.

Terei o maior prazer em não fazer o Cálculo III, mas é provável que acabe fazendo o IV. Estou inscrito em Introdução à Análise, o que aparentemente é uma temeridade - afinal, é no terceiro período de economia que se separam os homens das crianças, com estatística I, teoria microeconômica I, contabilidade, contas nacionais, FEB - que nas duas primeiras aulas já foi muito mais difícil do que os cursos de história econômica até aqui - e last but not least álgebra linear. Última disciplina da Matemática na grade obrigatória, o curso de "algelin" promete ser chato, computacional e algorítmico, e talvez seja difícil.

Ainda assim, me inscrevi em Análise por razões contraditórias: por um lado, o meu soft spot pela beleza da matemática precisa de um afago, depois do teorema de Karush-Kuhn-Tucker. Por outro, preciso testar até onde realmente vai o meu estômago por Matemática de Verdade para saber se devo fazer EDP e coisas assim, ou apenas um curso de Cálculo IV. É uma decisão que vai contra toda a lógica mais básica de um maquiavelismo dogbertiano. O meu CR já não está tão bom quanto eu gostaria que estivesse, e fora do meu mundinho um número é um número, não importando se fiz Natação, Fotografia e PowerPoint para Iniciantes ou Estatística, Micro I e Análise.

Mas as duas primeiras aulas foram incrívelmente excitantes. Quer dizer, o custo marginal de fazer mais uma disciplina é medido em frações da minha capacidade intelectual - e como o mundo continua mandando sinais contraditórios sobre as reais possibilidades da minha inteligência, esse custo não pode ser acuradamente medido, o que torna uma análise custo/benefício muito difícil de executar - mesmo que eu pudesse mensurar a thrill de estar estudando matemática.

Mas, bem, para citar o Rush, "we will pay the price / but will not count the cost". Ah, os riscos....

DISCLAIMER: sim, o post do Cláudio meio que motivou este, mas não é em absoluto algo uncalled for. Há várias semanas que venho prometendo escrever sobre matemática; é a primeira vez que consigo.

11.3.03

Música para tempos de guerra

Em primeiro lugar, digam o que disserem, sempre é legal ouvir euro-metal muito pesado com letras em latim. Acho que somente isso já seria suficiente para uma boa infatuation com o Tanzwut. Adicione a isso as gaitas de fole e alguns vocais adicionais gravados pelo atual herdeiro do conde Vlad "Dracul" Tepes (sim!). É muito divertido.

Na verdade, é mais interessante que isso. Os membros do Tanzwut são exatamente as mesmas pessoas que formam o Corvus Corax. Uau!

Durante dez anos, Corvus Corax foi um grupo muito sério, admiradíssimo pela crítica, que pesquisava compilações de música secular da Idade Média e fazia discos e shows. Um dos primeiros discos trazia um manifesto que denunciava a forma como o circuito acadêmico de música medieval apresenta quase exclusivamente peças sacras. O lema do grupo passou a ser "Inter Deum et diabolum semper Musica est".

Ao vivo, Corvus Corax sempre foi incendiário. Existe, inclusive, uma incipiente cena de troca de bootlegs similar àquela que existe com o Grateful Dead. A hype se justifica não apenas porque há uma grande quantidade de material - principalmente escrito pelos próprios membros - que nunca foi gravado em estúdio, mas também por causa da incrível energia com que se executa esta música que poderia ser chata e academicista.

Daí a minha insistência periódica em afirmar que os Corvus Corax são os verdadeiros salvadores do rock. Muitos previram que as guitarras desapareceriam. Mas eles mesmo cruzaram a fronteira, e se reformaram como uma banda de euro-metal à Rammstein. Tanzwut.

Dentro de toda aquela espinha dorsal teórica que tenho tentado estruturar, há aqui em primeiro lugar uma grande mistura de códigos. No máximo de sua popularidade, de sua selvageria roqueira, Corvus Corax sempre teve uma indelével edge intelectualizante. Certamente não importa quando você está no meio da multidão quebrando os ossos ao som de "Bärentanz", mas no momento de refletir sobre a música, a sua constituição interna é, sim, importante.

Corvus Corax nunca foi um produto de música popular informado pela música medieval academicamente estrita, mas um produto de música acadêmica informado pela energia do rock. A própria estrutura da "performance selvagem" faz sentido acadêmico porque se trata de peças que eram populares em seu tempo, possívelmente recopiladas por algum monge que viu a tanzwut passar.

A tanzwut é a célebre "mania da dança", sobre a qual lemos às vezes. Conta-se que quando a peste negra chegou à Europa, dizimando cidades inteiras, camponeses passaram a abandonar todo o trabalho e dedicar-se a dançar até as últimas energias. Já que a morte era iminente, a única coisa que fazia sentido era dedicar-se a esta festa de contornos existenciais um tanto dark.

Às vezes, quando alguém consegue me arrastar a um baile ou uma dessas festas de boate, tenho a impressão de estar assistindo a uma tanzwut.

Pois bem. Tanzwut, a banda de rock, é precisamente o inverso: euro-metal levemente informado pela música medieval que dezenas de grupos passaram a fazer a partir da repercussão do Corvus Corax. Simultâneamente celebratória e agressiva, a imagem de uma tanzwut parece mesmo justificar a opção pelo tal do "estilo Rammstein". Em si, é um estatuto teórico muito menos interessante. Deformações horríveis de música clássica são feitas por muita gente - inclusive instrumentistas de técnica virtuosística - e não há nisso novidade. O problema do Tanzwut se torna mais interessante, no entanto, por duas pequenas exceções ao modelo ELP-roqueiros-estuprando-os-clássicos.

A primeira é relativamente óbvia: são as mesmas pessoas. É um pouco, forçando muito a analogia, como quando Brubeck ou Stephane Grapelli usam o seu treinamento erudito a favor do jazz. Não ouvi o Tanzwut completo e muito menos tudo que há do Corvus Corax, mas seria um trabalho interessante estudar a auto-referencialidade, as citações que os discos do Tanzwut podem estar fazendo da obra do Corvus Corax. Se eles forem espertos, podem construir ao longo dos discos uma obra fascinante.

A segunda é que Corvus Corax e o subseqüente movimento de música neo-medieval não são precisamente música erudita, tanto por sua falta de erudição, de rigor no sentido da complexa tradição musical européia - mesmo que a pesquisa seja feita de forma rigorosa e as interpretações sejam aproximações inteligentes do espírito da música - como pelos canais e público que acaba atingindo. Toda uma juventude "gótica" se voltou para o medievalismo a partir de Corvus Corax.

Juntemos as duas coisas. Tanzwut parece resultar de um certo desconforto no atrito entre estudos medievais mais estritos e música "comercial", popular, no mesmo sentido que as canções do Corvus Corax podem ter tido na Idade Média. O último disco do Corvus Corax que conheço - embora haja a promessa de continuar gravando como Corvus Corax - chegou a ter uma tentativa constrangedora de crossover, "Mille Anni Passi Sunt". O nome Tanzwut permite fazer música "medieval" para os dias de hoje sem romper com o rigor acadêmico que a maioria dos seguidores do Corvus Corax já abandonou.

Muitas vezes a música que leva o nome de uma banda é o seu maior manifesto - pense "Black Sabbath" - e Tanzwut não quebra a tradição. Em "Tanzwut", a canção, ouvimos guitarras secas, processadas, típicas do Rammstein, e a voz rouca, germânica, berra, militar: "Inter Deum et diabolum semper Musica est".

Quando digo que a crítica de rock pode ser muito mais interessante que a crítica de cinema, I mean it!

10.3.03

Money for nothing

Peter Gabriel, Jaco Pastorius, meninos do Kultivator e do Necronomicon, espalhem por aí que vocês fizeram um ritual vodu pra matar os babões do Limp Bizkit. É sucesso garantido.

8.3.03

Uma confissão




Nunca fui daqueles que realmente se divertem com Ornette Coleman e John Zorn. Nunca gostei de free jazz escorregadio.Tenho um par de gravações ao vivo de Coltrane em "My favorite things" em que a flauta Eric Dolphy se intromete e acaba com todo o clima. Sou fraco. E hardbop-centrista. E penso que Horace Silver é um dos músicos mais injustiçados ever.

Sou forte a ponto de gostar, com sinceridade, da Sagração da Primavera, de momentos selecionados do Merzbow, e das sinfonias de Glenn Branca. Mas sou fraco demais para Ornette Coleman.

Ainda assim, sempre gostei do "Out to lunch" do mesmo Eric Dolphy. Para todos os catálogos, é um disco de free jazz. Tem a flauta giratória de Dolphy em "Gazzeloni", e está pelo geral recheado desses solos-em-tobogã. Sempre me senti feliz de poder apontá-lo como o meu disco de free jazz favorito. Mas, hèlas, uma audição depois de algum tempo de abstinência me faz perceber que é um pouco de cheating.

O segredo da enjoyability ("desfrutabilidade" parece tão sexual...) do "Out to Lunch" é que o único instrumentista a se permitir o luxo do free jazz é o próprio Dolphy. A bateria de Tony Williams é puro groove, complexa sem protagonismo. Lembra muito a banda do Dave Brubeck. O baixo de Richard Davis é esperto ao fazer citações à trajetória do baixo no jazz. O trumpete de Freddie Hubbard é quase tradicional, um hard-bop avançado. E os vibrafones de Bobby Hutcherson parecem estar lá para evitar que um pianista se deixe levar pela tentação de ser um Cecil Taylor. Um piano pode ser percussivo, agressivo, mas Bobby pode apenas ser smooth, acrescentar sabor ao molho jazzístico.

Crossover. Genial, mas crossover. *suspiro*


5.3.03



Os cientistas acreditam que os humanos são o resultado de bilhões de anos de evolução. Não posso explicar toda a teoria da evolução aqui, mas ela pode ser resumida assim:

Teoria da Evolução (Resumo)

Primeiro existiam algumas amebas. Amebas dissidentes se adaptaram melhor ao ambiente, tornando-se assim macacos. E aí veio a Gestão de Qualidade Total.

Estou deixando de lado alguns detalhes, mas a teoria em si também tem alguns furos que é melhor não questionar.

De qualquer forma, levamos muitos anos para chegar a este nível sublime de evolução. Não havia nada de mais neste ritmo descansado porque não tínhamos muito o que fazer, exceto sentar e esperar não ser comido por porcos selvagens. E então alguém caiu em cima de um galho pontudo e estava inventada a lança. Foi aí que começou a confusão.

Eu não estava lá, mas aposto que alguém disse que a lança jamais substituiria as unhas como a melhor ferramenta numa briga. O pessoal do contra xingou os usuários das lanças, chamando-os de "moog" e "blinth". (Isto foi antes de existir a marinha mercante, portando ainda não se sabia xingar muito bem.)

Mas não se falava em "diversidade" naquela época, e acho que o pessoal do "Diga Não Às Lanças" acabou sendo mais "objetivo", se é que você está me acompanhando.

A vantagem da lança é que quase todo mundo era capaz de entendê-la. Tinha uma característica básica: a ponta afiada. Nossos cérebros estavam equipados para este nível de complexidade. E não só os cérebros dos intelectuais - o homem comum também podia entender o que era uma lança. A vida era boa, salvo algumas pragas ocasionais, e o fato de que a expectativa média de vida era de sete anos... e que depois dos quatro você já estava rezando para morrer. Mas quase todo mundo se queixava de como as lanças eram confusas.

De repente (em termos evolucionários), um dissidente chegou e construiu uma prensa tipográfica. Depois disso, foi uma ladeira escorregadia. Duas piscadas mais tarde e estávamos trocando as baterias dos nossos laptops enquanto cruzávamos os céus em objetos metálicos brilhantes onde nos serviam amendoins e refrigerantes.

Culpo o sexo e os jornais pela maioria dos nossos problema hoje em dia. Esta é a minha lógica: só uma pessoa, entre um milhão de outras, é inteligente o bastante para inventar a imprensa. Portanto, quando a sociedade era formada apenas de algumas centenas de pessoas parecidas com macacos morando em cavernas, as chances de uma delas se tornar um gênio eram muito poucas. Mas as pessoas estavam sempre fazendo sexo, e a cada novo débil mental que vinha ao mundo, cresciam as chances de um dissidente sabichão escorregar da rede genética. Quando se tem vários milhões de pessoas correndo por aí e fazendo sexo sem nenhum planejamento, são muitas as chances de que alguma mamãe macaca grávida se agache no meio do mato e coloque para fora um dissidente inventor-de-prensa-tipográfica.

Com as prensas, nosso destino estava traçado. Porque, então, todas as vezes que um novo dissidente esperto tinha uma idéia, ela era anotada e compartilhada com os outros. Todas as boas idéias podiam ser aprimoradas. A civilização explodiu. Nascia a tecnologia. A complexidade da vida cresceu geométricamente. Tudo ficou maior e melhor.

Exceto os nossos cérebros.

Toda a tecnologia que nos cerca, todas as teorias de gerenciamento, os modelos econômicos que prevêem e orientam o nosso comportamento, a ciência que nos ajuda a viver até os oitenta anos - tudo isso é criado por uma porcentagem minúscula de dissidentes espertos. O resto procura se manter à tona da melhor maneira possível. O mundo é complexo demais para nós. A evolução não acompanhou isso. Graças à prensa tipográfica, as pessoas espertas dissidentes conseguiram capturar seus gênios e comunicá-los sem ter que transmití-los genéticamente. A evolução entrou em curto-circuito. Alcançamos o conhecimento e a tecnologia antes da inteligência.

Somos um planeta com aproximadamente seis bilhões de bobos vivendo numa civilziação que foi projetada por uns poucos milhares de dissidentes interessantemente inteligentes.


(Scott Adams, em "O Princípio Dilbert")