Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

31.1.03

A ideologia é um verniz que torna as convicções impermeáveis à lógica. É essa característica de imiscibilidade que faz com que política seja tão tabu quanto religião em conversas amenas em sociedade - aquele bate-papo na piscina, no domingão de sol. No máximo, são permitidos algumas queixas sobre a falta de moralidade na vida pública do cenário brasileiro. A conseqüência lógica de afirmar que os políticos são corruptos é dizer que os políticos deveriam ter menos poder.

Mas não! Alguns dos nossos melhores amigos são petistas. Um terço dos brasileiros o são. O que exatamente ganhamos criando polêmica? Não, o que precisamos é de políticos melhores. *rimshot*

A lógica matemática é diferente da lógica política. Não é possível, em política, demonstrar a verdade de um juízo. Não sendo um domínio binário, não se aplica a tais temas nem mesmo a estratégia matemática de reduzir a idéia oposta ao absurdo. A idéia oposta nunca é apenas uma, e nunca é justo que se dê ao opositor de uma idéia o privilégio de definí-la. Mas é possível, sim, em alguns casos, demonstrar a patente falsidade de um determinado juízo examinando sua consistência interna. Em matemática, alguns juízos sem sentido são verdadeiros por vacuidade ("Todos os números primos pares maiores que 10 são divisíveis por 7"). Não é o que acontece em política: se um sistema não é consistente, não estamos autorizados a falar em divisibilidade.

Um dos erros comuns ao discutir política é julgar as convicções do outro nos termos das nossas próprias premissas. Só há duas formas de refutar uma afirmação política: derrubar alguma das premissas essenciais do pensamento político do outro, ou mostrar que das premissas apresentadas não seguem as conclusões que se afirma.

Isso explica a esterilidade dos debates "contra a ALCA" e dos Fóruns "Sociais". A antiga maldição nos roga que vivamos em tempos interessantes, e tanto são os nossos que vemos Lula em Davos e um dos maiores especuladores do mundo cantando de tenor no coro dos contentes. Mas a mera idéia de ver um Gustavo Franco em Porto Alegre é inconcebível. Lá fosse, não conseguiria expor uma idéia completa que coubesse na cabeça dos esquerdinhas.

Embora eu tenha topado com um sem-número de pessoas intelectualmente desonestas, a maior parte das pessoas patentemente equivocadas que conheci eram incapazes de enxergar a osteoporose do sistema que defendiam. Pior, pessoas inteligentes, conscientes da importância da consistência interna de um argumento, e cujas posições nem sempre eram as mais absurdas - é razoável defender o desenvolvimentismo cepalino, mas jamais defender o regime talibã - sempre caem no mesmo circuito que se reforça circularmente.

Típica narrativa: desenvolvimentistas criticam liberais pela falta de um "projeto estratégico de longo prazo" em seu programa. Criticar um liberal por não pregar estratégias únicas nacionais é como criticar um violinista por usar um arco, e não uma palheta de guitarra. Se queremos refutar a tese liberal, é preciso examinar as premissas do pensamento liberal, e refutá-las. Ou tentar mostrar que dessas premissas não segue a tese que se defende.

Hayek e von Mises foram muito mais maduros intelectualmente do que jamais seremos eu ou qualquer dos esquerdinhas que gafanhotam no Acampamento da Juventude. É muito pouco provável que encontremos indícios de osteoporose em seu sistema. Mas um esquerdinha pode se dedicar a estudar as premissas do liberalismo e tentar refutá-las. E eu posso tentar defendê-las. Isso se chama debate. O que é completamente estéril é dizer que "esse sistema gera desigualdade", e que isso é um problema sério. Ora, e quem disse que a desigualdade é, necessáriamente uma coisa ruim? De que desigualdade estamos falando? (Nozick, Nozick, Nozick).

E pior, quem disse que o igualitarismo é uma alternativa melhor?

É isso que faz com que nosso amigo Grzybowksi chegue à conclusão de que "o neoliberalismo está deslegitimado". Na sua cabeça, o liberalismo não faz sentido porque não se encaixa nas premissas do socialismo. Não é incrível?

Talvez eu seja culpado do mesmo crime. Tento, com sinceridade, não ser ilógico. Pelo menos no que os meus limites me permitem. Espero estar conseguindo. Afinal, há muito tempo digo que é possível ser lógico e antiético, mas ser ilógico sempre implica em ser antiético.

30.1.03

Gerador de textos do Jorge Amado.

27.1.03

É de bom-tom não gostar de lugares-comuns. Com efeito, detestá-los é quase tão importante quanto saber a forma plural correta de "lugares-comuns". Talvez estejamos sendo lentamente envenenados pelo fascismo da originalidade. Alguns clichês são muito interessantes e muito úteis, e embora não se pretenda literarizar uma enumeração deles, talvez um pouco de senso comum não faça tão mal.

Ou talvez eu esteja emocionalmente vulnerável hoje. Mas, ao ponto. Um dos clicados que irritam é o famigerado "a economia é uma ciência social".

Ora, o contato que eu tive com as ciências sociais própriamente ditas - a sociologia, a antropologia, a ciência política - me trouxeram o sabor de um exercício intelectual amorfo e fascinante, em perpétua busca de seu próprio estatuto. Ainda aprecio muito as leituras de antropologia (o "Tristes Trópicos" de Levi-Strauss, "Os Moleques de Bogotá" de Jacques Meunier) mais pela sua incerteza de quase-ciência em busca de afirmação, pela constante rediscussão dos próprios limites, dos próprios objetivos, do próprio papel. "Tristes Trópicos" não como tratado de etnologia, mas como épico sobre a própria etnologia, ou como narrativa da angústia do próprio Levi-Strauss como lúmpen-intelectual sem saber direito qual é o seu lugar no mundo:

"Faltam-me aptidões para guardar prudentemente em cultivo um domínio de que ano por ano eu recolhesse as messes: tenho uma inteligência neolítica. Como as queimadas indígenas, ela abrasa, por vezes, solos inexplorados; fecunda-os, talvez, para dêles tirar apressadamente alguns frutos e deixar atrás de si um território devastado. Mas naquele tempo eu não podia ter consciência dessas motivações profundas.


Aprendi da antropologia - ou do meu contato neolítico com ela - a minha perspectiva de análise sobre cultura. Escrevo sobre rock porque é um fenômeno cultural fascinante, gotejando de significados a cada segundo, a cada nota. Coldplay só faz sentido em relação a Radiohead que só faz sentido em relação a My Bloody Valentine que só faz sentido em relação ao The Clash que só faz sentido em relação a The Who. É um sistema de complexidade aparentemente infinita. E pra ficarmos ainda no "Tristes Trópicos",

"A humanidade se instala na monocultura: ela se prepara a produzir a civilização em massa como a beterraba. Seu trivial só apresentará esse prato"

Somos uma sociedade produtora de cultura, e embora tenha alguma aspiração a ciência, a objetividade, a antropologia e a ciência política entendem bem que, no fim, não só o seu objeto como o seu próprio corpo é um objeto cultural, portador de significados. E a economia?

Atribui-se a Paul Krugman a velha piadinha do economista indiano: se acumular karma bom nesta vida através das boas obras, nascerá físico na próxima; se acumular karma ruim, nascerá sociólogo.

Ora, os métodos da economia estão muito mais próximos da modelagem objetiva da física do que do divagar auto-construtor da antropologia. É claro que as premissas fundamentais da física são estabelecidos empíricamente, enquanto a economia parte de pressupostos simplificados que podem ser colocados na conta de leituras parciais, culturalistas e portanto antropológicas. E como o próprio Krugman tenta explicar, a teoria keynesiana ocidental não parece surtir muito efeito no Japão.

Ainda assim, a modelagem econômica assemelha-se mais a uma certa física teórica que parte de premissas abstratas para tirar conclusões contra-sensuais. A literatura explicita pelo menos dois pontos em comuns muito fortes - dados empíricos caros e teoria barata.

Mas a economia - a ciência econômica - está sempre sendo sujeita aos constrangimentos da política, algo de que a física teórica não pode se queixar. Por mais sangrenta que se torne a discussão acadêmica entre, digamos, as hipóteses dicotômicas do universo estacionário e da expansão cíclica, a física não sofre a pressão da política extra-acadêmica.

Por sorte, não estamos sozinhos. A recente discussão sobre o efeito-estufa dá aos metereologistas uma vaga idéia da frustração de ver formulações puramente científicas submetidas à ordem de suas conseqüências políticas. Há uma boa possibilidade, sustentada por cientistas sérios fundamentados em dados empíricos sólidos de que o tal aquecimento global causado pela poluição não esteja acontecendo de todo.

Na verdade, a discussão toda é um pouco complexa demais para ser discutida por leigos em botequins. Mas decisões muito importantes sobre a própria forma como compreendemos a natureza do fenômeno climático estão sendo tomadas por razões políticas. E isso é muito, muito sangrento.

Essa ingerência política é uma constante na ciência econômica.

E ver o Márcio Moreira Alves regurgitando sobre fuga de divisas baseado no que entendeu de Mundell-Fleming no botequim é muito, muito sangrento.

De modo geral, toda a discussão sobre contas externas recebe um peso desproporcional, e perde completamente o sentido se vista fora de um modelo macroeconômico mais abrangente. Mas se as circunstâncias políticas o exigem, podemos dar o peso que quisermos ao que quisermos. Talvez sejamos culpados, por exemplo, de superestimar os custos sociais da inflação.

Tenho a sensação de que o novo governo é culpado de superestimar o valor do planejamento econômico. Fica o sabor de mais politização na pouca esperança de tecnicismo que nos resta.

Um hayekiano diria que estou sendo imaturo nessa dialética toda. Tento, com sinceridade, não ser sectário. Uma parcela grande demais da cena blogueira de direita é dogmáticamente austríaca. Fui aos poucos flutuando para a direita porque passei a acreditar na espontaneidade, no poder subversivo do inesperado. Há uma certa microeconomia marginalista a favor dessa sensação política, e uma certa macroeconomia "estruturalista" contra isso. Não sei. Não tenho nem certeza de que uma sociedade mais justa seja necessáriamente uma sociedade mais igualitária.

Sei que me incomoda quando delega-se a um grupo o poder de mudar a própria essência do jogo. Mesmo com o apoio da maioria, o planejamento industrial, a imposição de prioridades, a macroeconomia estruturalista uspiana me incomoda porque representa a politização da existência, o diminuir do indivíduo.

E depois dizem que vivemos num mundo muito individualista, e seilámaisoque. Antigamente, parte da diatribe da esquerda falava da excessiva massificação promovida pelo capitalismo. Fui de esquerda por ódio à música de massas. Hoje, a diatribe da esquerda fala do excessivo individualismo promovido pelo capitalismo. Será que é porque a massificação que a própria dialética interna do planejamento central se tornou óbvia?

Puxa, "dialética do planejamento". Como vamos longe. Uma engenharia social por um lado lê as necessidades da sociedade, mas por outro lado molda essa mesma sociedade para que as engrenagens encaixem. Adaptar-se e adaptar. Oh, Guido Mantega, capta a essência dessas coisinhas...

23.1.03

OH!



22.1.03

Yay!

O novo disco do Portishead, Alien sairá dia 25 de março.

O informe é do phead int.

20.1.03

Só para confirmar - ou melhor, para firmar através da repetição: os Corvus Corax são mesmo os verdadeiros salvadores do rock.

15.1.03

O novo disco da Beth Gibbons é uma reivindicação do direito à melancolia. Numa sociedade festiva em que tudo é empurrado para o celebratório, basta uma certa aura pós-modernosa, umas letrinhas meio edithpiafianas, de uma tristeza desmesurada, beirando o mau gosto, para termos um disco perfeito, subversivo, revolucionário. Pelo direito à melancolia. A constante busca da produtividade requer uma atitude power-metal, mas isso é exaustivo. Como a chuva, como o Lula, como a estilística esquerdismo-bichogrilo, ou por outra, pelo tefepismo sem arrependimentos de parte da nossa direita mais vocal. Pelo direito à melancolia!

Farei um banner sobre isso.


Prick your finger
it is done
the moon has now eclipsed the sun
angel has spread its wings
the time has come for bitter things


Só mesmo o Lula para tornar uma citação do Marilyn Manson relevante. E, a tudo isto, onde estão os Casseta & Planeta? Tempos estranhos precisam de uma catarse de paródias....Penso no Bussunda fazendo sua Excelência, e no Hélio fazendo o Gil...

Ou será que eles também fazem parte da fabulosa conspiração esquerdista?

10.1.03

O papa é poeta. O mundo está cheio de surpresas...

Dizem que o Bill Ward, baterista durante todo o período clássico do Black Sabbath, era o substituto perfeito para o Ozzy. Parece que baseiam-se em seu disco solo, que ainda não consegui ouvir. E embora o trabalho do Dio seja muito bonito em discos como "Holy Diver", nunca me convenceu o que ele fez com o Sabbath. Talvez por causa da horrorosa produção feita pelo Martin Birch. Apesar de muito experiente, responsável por grandes discos do Deep Purple, ele havia acabado de gravar o primeiro disco do Iron Maiden e trouxe um som muito parecido, completamente incompatível com o Sabbath.

Mas a faixa cujos vocais mais me impressionam é "When death calls". Com Tony Martin. Nem sempre o nosso calor de sambista permite apreciar própriamente certo tipo de música, mas hoje tive uma pequena epifania metaleira às seis e meia da manhã, quando havia neblina, o sol estava avermelhado, e o mundo estava se permitindo ser apenas um pouco melancólico....

4.1.03

Os dez eventos musicais mais interessantes que não acontecerão em 2003

10. Herbert "o calibre do perigo" Vianna não dará entrevista ressaltando a importância do Univers Zero para o amadurecimento do rock.

9. O ministro Gilberto "a novidade veio da praia" Gil não dará verbas para bandas de rock instrumental que tenham o Univers Zero entre suas referências musicais.

8. A Orquestra Sinfônica Brasileira continuará sem tomar conhecimento da vitalidade do repertório do Univers Zero, e continuará tocando "Aquarela Brasileira" e "Also Sprach Zarathustra" (também conhecida como "música do filme 2001").

7. Cameron Crowe não fará um filme sobre bandas de rock instrumentais do fim da década de 70, protagonizado por um jovem oboísta e inspirado claramente na história do Univers Zero.

6. Johnny "Rotten" Lydon não reconhecerá a precedência do Univers Zero no campo da agressividade brutal sem compromissos comerciais.

5. A MTV não fará um "Especial Univers Zero".

4. A MTV não fará um "Univers Zero MTV ao Vivo".

3. A MTV não fará um "Univers Zero acústico".

2. O Univers Zero não fará um show para 50 mil pessoas no Maracanã

1. O Univers Zero não tocará no reveillon de Copacabana. Mais um ano se passará sem que os brasileiros tomem conhecimento do Univers Zero. E continuaremos sendo subdesenvolvidos.


2.1.03

Tem horas que olho pra cara da conjuntura, a conjuntura olha pra minha cara, e nós dois estamos morrendo de vontade de não escrever coisa nenhuma sobre a espermátide do noticiário. É o que dizia o grande filósofo Cabelo Argentino:

"Etc, etc."



Começou quando topei com o Fidel na TV. 31 à noite, não sei se antes ou depois de inaugurar 2003 na praia. Ato reflexo, estou de joelhos. Something wicked comes this way.

Sei que a festa da posse significou muita coisa. Significou muita coisa no sentido de carregar muitos significados mesmo. Há a primeira leitura, saída direto de uma seqüência cortada de um roteiro para a série de filmes Porky's: deste lado, os Rituais do Poder - o novo Presidente é conduzido por uma Tropa centenária com cavalos brancos, uniformes lin-dos e um nome imponente do gênero "Cavaleiros da Ordem do Dragão da Independência". Daquele, as multidões que querem tocar o Mahatma Silva, que se jogam sobre seu pescoço, invadem o espelho-d'água Ganges para vê-lo de perto. Os protocolos estão sendo quebrados. E tudo é festa!

É curioso (ou não, a crer nos hermanitos do MSM) que a leitura reacionária tenha sido suprimida. O sentido do abuso, da desordem, do susto, do pânico, do descontrole. São dois pólos igualmente imaturos e/ou saídos diretamente do livro. Incomoda que um tenha sido suprimido, no entanto. Onde a interpretação festiva vê uma grande expressão simbólica do significado último de democracia - o povo que invade a Praça dos (não um, não dois, mas) Três Poderes - a visão reacionária leria algo acintoso, não muito diferente de um estupro: o belo ritual, os belos cavalos brancos, o sentido mesmo de formalidade do ritual do poder sendo solenemente jogado no lixo pela espontaneidade populista de quem prefere Gil a Morelenbaum. This shade of autumn's stale bitter end.

Onde estão os reacionários? Onde os escondem?

No dia seguinte, Ciro dá o calote. Os símbolos estão por toda parte - Chávez, Fidel, almoço, Palocci que lembra Ruy Barbosa que lembra encilhamento - mas a rapidez dos acontecimentos parece tirar-me o direito de continuar a preocupação com símbolos.

With western eyes and serpent's breath
We lay our own conscience to rest
I feel so cold on hookers and gin
.... this mess we're in...