Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

26.5.03

AA

Meu nome é Diego Navarro, e sou viciado em açúcar.

Em certo ponto, tive uma mudança radical de estilo de vida - tornei-me sedentário, e isso aos poucos está fazendo com que se acumule uma barriga detestável. Não estou gordo ainda, mind you, mas achei que era hora de fazer alguma coisa antes de que sejam necessários esforços grandes para reverter o processo.

Não sendo adepto do exercício físico, decidi comer menos e reduzir drásticamente a quantidade de açúcar nas minhas bebidas. Passei o fim de semana inteiro bebendo água. O resultado foi imediato: depressão. Nunca achei que tivesse uma dependência química tão forte do açúcar.

Da última vez que me senti assim, foi a "ressaca" de uma overdose de cafeína para uma maratona de provas. Na verdade, acho que foi uma síndrome de abstinência - como agora. Talvez devesse substituir o açúcar por fortes doses de café - mas, puxa, não quero morrer do coração aos quarenta anos.

Meu nome é Diego Navarro, e sou viciado em açúcar.

21.5.03

Anakólouthos

Acabo de ler, na Primeira Leitura, um excelente texto de Hugo Estenssoro que propõe que a Segunda Guerra do Golfo foi o momento abissíno, conceito que ele mesmo explica a partir da invasão da Abissínia por Mussolini. E apesar do que o meu resumo tolo pode fazer parecer, o texto defende a necessidade do ataque.

Ora, o artigo de Estenssoro escancara pelo agudo contraste a pobreza relativa do que eu faço aqui. É bem verdade que o meu texto (e que aqui pese a idéia de textura) tem melhorado, mas ainda cometo derrapadas estilísticas horrendas. Onde são passíveis de resolução, o texto é editado; quando torna-se estrutural, fica o erro, e vamos em frente. Dito isso, uma olhada rápida nos arquivos mostra alguma evolução ao longo do tempo - e pretendia eu justamente que escrever se tornasse um círculo virtuoso - mas altos e baixos acontecem a todo momento, e talvez pescar as coisas que valem a pena dê algum trabalho.

Dito isso, ficou a vontade de deixar um post explicitando que o Anacoluto é, antes de tudo, um caderno de exercícios. Nada aqui representa a forma final do pensamento de Diego Navarro. Por um lado, porque a forma final do pensamento não existe - é a única coisa inteligente que Raul Seixas disse em toda sua carreira - e por outro porque um post é uma coisa composta às pressas, sem compromisso, e para os 35-40 leitores diários do blogue.

É um pouco como a foto de uma cena complexa, cheia de gente e props, recortada em dezenas de quadradinhos, que vão sendo jogados aos poucos do alto de um canyon, e são levadas pelo Rio.

Às vezes, posso parecer hiperconservador. Às vezes, um metaleiro de sorveteria. Não tenho a bagagem que é preciso para escrever sobre Bach no nível em que escrevo sobre Coldplay, e gosto da sensação de percorrer terreno inexplorado ao assumir a persona do crítico de rock. Em matéria de política, sou liberal; em matéria de estética, sou hedonista, o que me leva a ser denunciado por toda sorte de ideólogo estético (dos fanáticos por música high-brow aos sambistas hipernacionalistas) como irresponsável.

Lo soy. Reservo a responsabilidade para coisas mais graves; estudo economia para compreender a infraestrutura do mundo real de forma mais objetiva, mas vou decorando os rebordos que me são comissionados de forma - sim - irresponsável. And it's none of your business.

Simplesmente escrevo, como há gente que freqüenta restaurantes - um pouco por gula, um pouco por arte - e como fundo moral, ou como raiz do hábito cultural incompreensível, por necessidade alimentar, por desenvolver o sentido fugidio da frase e da palavra. Há gente que se dedica a desenvolver o sorriso perfeito, a grace under pressure. Eu escrevo.

20.5.03

O blog do Jian Shuo Wang está fazendo uma ótima cobertura da epidemia de SARS na China - não só do ponto de vista dele, mas de alguns viajantes estrangeiros que têm contribuído com crônicas.

18.5.03

Cálculo

Uma das aplicações não-físicas mais úteis do cálculo é a teoria de otimização. Não chegaria ao ponto de dizer que é "interessante" - de fato, me parece ser de uma deselegância terrível, com sua complexidade em crescimento exponencial. Começa bem, com o teorema de Fermat (aquele da derivada igual a zero), mas se torna rápidamente uma terrível sucessão de "teoremas" algorítmicos relativamente artificiais - desembocando naquela coisa horrível, o método de Karush-Kuhn-Tucker.

Pois bem. Duas coisas são importantes para "sacar" a idéia da teoria de otimização. A primeira é o conceito de derivada. Não vou me deter a explicar cálculo diferencial aqui, mas estou recomendando A tour of the calculus do David Berlinski esses dias como uma introdução indolor às principais idéias de diferenciação e integração para gente que nunca vai precisar usar cálculo para nada na vida, mas quer ter uma idéia de que troço é esse.

A outra é o teorema de Weierstrass. A versão que estudei em cálculo II dizia, literalmente, que uma função contínua definida em um domínio compacto atinge um máximo e um mínimo. Pouco antes, o livro introduzia uma mini-topologia real para explicar conjuntos abertos, fechados, limitados e não-limitados. No fim, eles diziam que um conjunto compacto é definido como sendo aquele que é fechado e limitado.

O livro é "Cálculo diferencial a várias variáveis", do Humberto Bortolossi, aqui da PUC-Rio. A estratégia do livro didático preparado específicamente para o curso de cálculo II da PUC é uma faca de dois gumes. Por um lado, o livro é excelente como referência para aquele algoritmo que você esqueceu. Por outro, a preocupação com o tempo, com a didática e com a relevância podem levar a alguns pulos de rigor matemático que o autor estima que não farão muito estrago.

E, puxa, um livro deveria ser mais completo que a aula, sempre.

O nosso curso de Introdução à Análise - que já não é um curso obrigatório para economia - começa construindo uma mini-topologia um pouco mais bem fundamentada antes de partir para funções contínuas. A parte de topologia dos espaços métricos segue mais ou menos "A primer of real functions", de Ralph Boas.

Pois bem. Conjuntos compactos são definidos em um espaço métrico qualquer como aqueles em que, dada qualquer seqüência de elementos, pode ser extraída uma subseqüência que tende a um limite que pertence ao conjunto. Depois é introduzido um teorema (Heine-Borel) que garante que, nos reais, um conjunto fechado e limitado é compacto - mas a recíproca não é necessáriamente verdadeira.

Das duas uma: ou o livro do Bortolossi fez uma grande concessão em rigor matemático ao ignorar que um conjunto real compacto pode não ser necessáriamente fechado e limitado, ou o resultado reverso pode ser demonstrado. Não tenho mais o Boas em mãos - apenas minhas notas sobre ele - mas lembro claramente da página que construía um contra-exemplo, um conjunto compacto que não é fechado e limitado. Posso estar enganado.

Em seguida, o teorema de Weierstrass diz que um conjunto infinito limitado nos reais tem um ponto limite. O livro afirma - e propõe que se demonstre como exercício - que desse teorema mais abstrato é possível tirar o "teorema de Weierstrass" da teoria de otimização - a afirmação de que toda função contínua definida em um intervalo fechado e limitado nos reais atinge um máximo e um mínimo.

Mas ora, podemos afirmar que isso acontece com uma função contínua definida num conjunto compacto dos reais? Depende da recíproca do teorema de Heine-Borel. E enquanto tenho relativa certeza de que o Bortolossi não cometeria um erro dessa magnitude - e portanto a recíproca é verdadeira - não posso usar um argumento sociológico desses numa demonstração.

Quer dizer, quando você faz uma figura, o teorema de Weierstrass do cálculo II é quase evidente - e enquanto ele é demonstrável a partir de resultados mais simples, não me parece de todo um abuso assumí-lo como axioma. Afinal, a própria noção de continuidade já diz que a função não pode ir a infinito ou assumir um valor não-real ou fazer qualquer outra coisa engraçadinha.

De fato, fiquei um tanto decepcionado quando soube que Weierstrass vale apenas para fechados e limitados, e não para compactos em qualquer espaço métrico. Talvez seja só devido ao meu diletantismo, mas a própria idéia de compacidade (compactitude? compactez?) parece muito menos atraente vista desse ângulo.

Claro, tanto o Boas como o Spivak como o curso de Introdução à Análise têm como objetivo final a análise real - muito embora exemplos divertidos dos conceitos da primeira parte de topologia de espaços métricos só sejam possíveis recorrendo a espaços de seqüências e de funções. Essas idéias todas de topologia podem ter significados muito mais amplos quando se pensa, por exemplo, em espaços de funções.

O Lorenzo é um sujeito esperto: quando você percebe, você está com vontade de aprender análise funcional - para o qual primeiro é preciso um monte de coisas dificílimas primeiro. Esses matemáticos é que são felizes....

13.5.03

Do Diesel Sweeties


11.5.03

Ainda "Cidade de Deus"

A lista CINEMABRASIL esteve por séculos numa polêmica sobre o filme "Cidade de Deus" - na maior parte do tempo, no nível bobo que caracteriza sua fauna. O pior é que o meu texto nessa história não ficou tão bom, mas ando com uma tal escassez de coisas para postar - que possam ser desenvolvidas em pouco tempo, anyway - que manterei o Anacoluto vivo com um copy-paste de uma das coisas que escrevi para lá.


"Façamos a revolução primeiro; a poesia virá depois". De quem era mesmo essa frase? Apollinaire ou Maiakowski, talvez. Há um bom tempo que não tenho mais ... tempo ... de pensar nessas coisas.

Bem, a história de Caetano e as guitarras não surgiu por acaso no meio do patrulhamento ao "Cidade de Deus". O Assunção pinta exatamente o quadro que eu tinha em mente, mas tinha medo de montar porque não vivi a época e podia estar cometendo injustiças. Mas eu consigo partir das premissas da Assunção para chegar às minhas conclusões.

Estamos no início dos anos 70. Hendrix e McLaughlin estão dando à guitarra o que Chopin e Lizst deram ao piano - respectivamente personalidade e virtuosismo - e o instrumento está deixando de ser uma característica de cantores caipiras de country para ser incorporado ao vocabulário musical de toda uma cultura que não é americana, mas universal.

Ora, na narrativa do Assunção (e de alguns outros), a rejeição às guitarras de Caetano não é estética, é política. Há um momento político complicado. E aliás, muito mal interpretado, com base em algumas monografias do René Dreyfus que na verade ninguém leu - ora, um regime ultranacionalista a ponto de implantar coisas bizarras como uma reserva de
mercado para informática seria levado ao poder pelo capital internacional?

"Pra não dizer que não falei" (a canção do Vandré) é, sem meias palavras, música ruim.

Qualquer tecladista de churrascaria pode confirmar isso. Ora, se um produto estéticamente pobre está sendo promovido em detrimento de coisas mais sofisticadas (o exemplo clássico é o "Sabiá" de Chico) em nome da política, estamos ficando ideologizados demais.

Mas vivemos num regime capitalista. O que você faz com o seu dinheiro é problema seu. Na verdade, isso é uma coisa ótima: existe uma constante demanda por música ruim (e nisso a egüinha pocotó é herdeira de Vandré) que seria frustrada se pessoas estéticamente sofisticadas tivessem algum direito de cortar o barato dos outros.


O problema é que os filmes brasileiros que discutimos são pagos pelo dinheiro público. E "fazer a revolução" com o dinheiro dos outros é muito, muito desonesto.

E aí entra a patrulha. "Cidade de Deus" está sendo condenado porque não satisfaz os preconceitos ideológicos da patrulha: específicamente, porque a desigualdade social não é explicitada como a causa final de todos os problemas do mundo. Mesmo apesar de grandes concessões a esse monismo socialista pré-adolescente, como a seqüência do supermercado - em que um dos garotos é despedido injustamente do supermercado, e acaba entrando para o crime.

A patrulha exige que todos os filmes sejam emburrecidos até o nível das coisas do Ozualdo Candeias.

Eu li uma série de coisas muito mais interessantes no "Cidade de Deus", e fico triste de ver o debate se prolongar indefinidamente num nível tão elementar. Ao mesmo tempo em que a origem "social" da violência é tratada de forma muito didática, a dimensão da estratégia militar como essencial para a consolidação desse poder que é intrínsecamente militar, e
que está em guerra aberta com um poder constitucional. Fiquei em casa e li o seu e-mail porque "eles" fecharam a Linha Amarela hoje.

Sarajevo é aqui. Pra mim, isso mais do que justifica construir Zé Pequeno como Milosevic. Mas isso é outra história.

Achei que leria bons insights sobre o papel do ex-policial militar que se junta ao bando de Dadinho e que permite a vitória através de seu conhecimento técnico e estratégico. Ora, aqueles que saíram da puberdade ideológica sabem que o narcotráfico adquiriu o conhecimento militar que tem hoje com os presos "políticos" dos anos 70, treinados em guerrilha do lado de lá da cortina de ferro.

Confira as biografias e veja se estou mentindo.

O que a patrulha exige é mais do que financiamento infinito para o produto cultural que reflita a sua visão: ela exige que todas as consciências se orientem por esses preceitos: a desigualdade social é a origem última de todos os males, o capitalismo individualista é por natureza gerador de desigualdade e portanto um controle político central das individualidades acabará com todas as desigualdades e todos os problemas, quando ficaremos como a grande, pujante feliz Cuba.

Que acaba de iniciar uma das mais violentas campanhas de repressão aos "crimes de consciência" de sua história. Mas eu já estou divagando de novo.

10.5.03

Mensagem aos que nos lincam

Pede-se que os links para o Anacoluto passem a figurar como "Vodka" ou "Great Vodka", e não mais "Anacoluto" ou "young man says...".

-- a direção

8.5.03

O problema dos acentos finalmente foi resolvido. E a minha agenda foi aliviada - expect a post real soon.

4.5.03

Pioneiros

O Anacoluto será um dos primeiros a mudar para o novo software da Blogger, o Dano. Coisas estranhas podem acontecer nos próximos dias - just bear with me for a while

"A word about my philosophy of journalism: I don’t like it. Journalism, that is."(Joe Sobran)

Palavras que deveriam ser gravadas em jade, numa placa de mármore, e postadas em toda escola de comunicação brasileira.

3.5.03

Eu não resisti. Dando uma olhada no Granma, encontro a seguinte pérola:

"Un día como ése, de 1833, nació en Puerto Príncipe, Camagüey, el sabio médico cubano Carlos J. Finlay Barrés, quien realizó el mayor descubrimiento científico de la medicina tropical: la transmisión de enfermedades por medio de un vector biológico (el mosquito), con lo que salvó a la humanidad del azote de la fiebre amarilla."

O engraçado é que depois da guerra hispano-americana - em 1895! - quando os Estados Unidos tomaram sob sua tutela várias colônias espanholas, o bacteriologista americano Walter Reed - que acabou dando nome ao famoso hospital em Washington - teve que ser chamado a resolver o problema da epidemia de febre amarela em Cuba. Em seis anos, a doença estava extinta em Cuba.

Em mais quatro, a febre amarela estava sob controle em quase todo o mundo. Inclusive no Brasil, onde o nosso Oswaldo Cruz sabia que era mais importante ajudar as pessoas do que ser antiimperialista.

Quando eu era criança, li um livro sobre como a vitória do homem sobre doenças que já foram um flagelo. Ainda lembro de várias dessas histórias. Esta era apenas uma delas.

Itália faz doação de mais de um milhão de euros para Cuba

Mas o governo italiano não era mezzo-fascista-mezzo-perón e pró-americano?


2.5.03

A única coisa que não ficou claro é o que as câmeras estavam fazendo .

1.5.03

Duas palavrinhas sobre a débâcle das reformas

Era impossível não acontecer. O Serra, que era feio mas não era burro, alertou no programa de TV - mas era retórica demais para ser eleitoralmente compreensível. FHC foi eleito em um momento de caos - o próprio Delfim Netto admite que era impossível debater política macroeconômica para o longo prazo naquele momento - e apenas isso explica a maioria que obteve: por um instante, vigorou a idéia que apenas a razão traria alguma estabilidade que permitisse repensar o tal do "projeto para o país".

Acho que é desnecessário especular aqui o que teria acontecido se Lula tivesse sido eleito em 1994. Não haveria Palocci, Meirelles, racionalidade macroeconômica ou Bovespa nos 13000 pontos. É primeiro a estabilidade que permite comparar dois projetos de desenvolvimento para o país - um com déficit e outro com superávit em transações correntes. O debate técnico sobre o papel desse indicador contábil um tanto arcano requer mais tempo, e não é o que me interessa. Para além disso, o Real tencionava ser um plano de política fiscal apertada e política monetária frouxa.

O aperto fiscal nunca aconteceu. E agora o PT admite ou finge que foi uma jogada política. A expulsão de Heloísa Helena pode levar à divulgação de uma fascinante história interna de como o PT flutuou para a outra margem do rio.

Lula foi eleito em 2002 manejando com habilidade um discurso ambíguo. Duda Mendonça é um grande publicitário, e conseguiu mascarar a incompatibilidade fundamental entre os dois discursos que elegeram Lula: o da racionalidade macroeconômica e o do direito natural. A racionalidade macroeconômica ainda ordena o aperto fiscal - ou pelo menos esta é a lição do Real que Palocci optou por seguir - mas o direito natural (e aqui entra a imagem das "conquistas trabalhistas") exige que o que é moralmente certo seja feito a qualquer custo. O Serra advertiu - mas quase que por definição, as massas são impermeáveis à lógica.

Como aprendiz de economista, sou parcial. O jurista assume que o direito emana da personalidade - a criança nasce, e tem direito a trabalhar no futuro, o que implica em desemprego zero. Nós partimos do princípio de que não há direito sem possibilidade. E procuramos encontrar soluções técnicas para expandir a fronteira das possibilidades, embora às vezes isso passe por cima do que a pura lógica do direito natural exige que seja feito.

É um pouco como se eu, ignorando as restrições orçamentárias da família, me ponha a exigir, agora, um Pod da Line6 (processador de efeitos de guitarra) e uma HP 19B (calculadora financeira) - baseado em argumentos do tipo ser um excelente aluno e ter um ouvido musical admirável.

Claro, o que eu deveria fazer é arrumar um emprego.