Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

26.4.04

Frio

Faz frio às cinco e meia da tarde no IPEA. A sala de estagiários compartilha o ar-condicionado com o servidor da rede e do website, e à medida que o calor lá fora se esvai, o ambiente aqui dentro vai ficando gelado.

Às vezes tento lutar contra o frio ouvindo Django Reinhardt ou Earl Hines, mas nunca funciona realmente. Conheço gente que tenta equilibrar seu estado de humor com música no sentido oposto, mas eu nunca pude tolerar a desarmonia em que isso implica.

É um estado de espírito temporário, em grande parte estimulado pela certeza de que estou irradiando calor para além do meu controle, e me sentindo cada vez mais frio por causa disso.

Só resta "The Ascension" - o contraste entre o caos circundante e a lógica interna (o cosmo sangrento e a alma pura, como disse um outro), e a necessidade de ser frio para permanecer vivo, ou de rodear-se de frio para isolar o calor interno.

Então eu me cubro com muita roupa, e não consigo reconhecer a pessoa que (não) fez a declaração de ontem. Só um feriado prolongado, e um longo tempo fora do ar-condicionado permitiria que esta outra pessoa aflore. E predomina a quieta certeza de que emoções são coisas raras e frágeis, que devem ser escondidas, porque o mundo lá fora nunca saberá apreciá-las.

25.4.04

Sete fatos divertidos sobre o conflito árabe-israelense e uma declaração de amor


  1. Yasser Arafat foi virtualmente o líder do Setembro Negro, o grupo que dizimou a delegação israelense nas olimpíadas de Munich. Faz você pensar sobre o tipo de pessoa com que se é obrigado a negociar
  2. A lei islâmica exige que qualquer terra que já tenha sido de controle islâmico deve permanecer sobre controle islâmico. A imprensa esqueceu deste fun fact quando dos atentados na Espanha. Esta é a razão pela qual os assentamentos palestinos não foram transferidos para regiões desabitadas da Jordânia, gerando o problema social que eles são hoje. Fica a pergunta - dada a oportunidade, será que "eles" hesitariam em marchar sobre Viena?
  3. Israel é a única democracia pluripartidária de toda a região, chegando a contar com um partido árabe de presença significativa no parlamento.
  4. Mais de um milhão de judeus foram literalmente expulsos de casa em países árabes a partir de 1947. Estas pessoas não esperam mais compensação jurídica, e foram absorvidas por Israel - razão pela qual não existem campos de refugiados de judeus. Em contraste, as nações árabes essencialmente deixaram o problema palestino explodir até a presente condição de miséria, miserabilidade e miserabilórdia que faz com que tantos jovens palestinos se juntem a brigadas de mártires por absoluta falta de perspectivas.
  5. Árabes israelenses não são obrigados a servir o exército de Israel - acabariam lutando contra o seu próprio povo. Muitos empregos públicos requerem que você tenha servido o exército, mas nada impede que um árabe tenha feito isso, se tornando legalmente indistingüível do Ariel Sharon.
  6. Imediatamente após a Guerra dos Seis Dias, em que Israel tomou do Egito a Península do Sinai, e da Síria as colinas de Golã, Israel propôs devolver essas terras em troca de um acordo de paz definitivo. O Egito e a Síria se recusaram.
  7. A última rodada de negociações de algum peso, em Camp David, 2000, terminou porque Yasser Arafat se recusou a fazer uma contra-proposta à idéia israelense de formar um Estado independente em duas faixas descontínuas de terra. A atual intifada é um resultado disso.


(Não, não há declaração de amor nenhuma - não consegui escrevê-la, e o título ficou como testemunha. É algo um pouco despropositado, anyway. Algo que deveria ter sido dito numa noite escura de uma cidade distante há três anos. Vocês sabem, in New York freedom looks like too many choices, e ainda não entendo por completo - que dirá naquela época - o sentido de algumas palavras que surgem ao pensar nesta pessoa. Enfim, os leitores habituais podem ver que o Anacoluto está voltando ao seu formato "normal", e prometo que a temporada de desabafos, resoluções e declarações de amor interrompidas está perto do fim.)

13.4.04

Pascácios! Pacóvios! Lorpas!

11.4.04


"(Howard Roark) That, precisely, is the deadliness of second-handers. They have no concern for facts, ideas, work. They're concerned only with people. They don't ask, 'Is this true?' They ask: 'Is this what others think it's true?' Not to judge, but to repeat. Not to do, but to give the impression of doing. Not creation, but show. Not ability, but friendship. Not merit, but pull. What would happen without those who do, think, work, produce? Those are the egotists. You don't think through another's brain and you don't work through another's hands. When you suspend your faculty of independent judgement, you suspend consciousness. To stop consciousness is to stop life. Second-handers have no sense of reality. Their reality is not within them, but somewhere in the space that divides one human body from another. Not an entity, but a relation - anchored to nothing. That's the emptiness I couldn't understand in people. That's what stopped whenever I faced a comittee. Men without an ego. Opinion without a rational process. Motion without brakes or motor. Power without responsibility. The second-hander acts, but the source of his actions is scattered in every other living person. It's everywhere and nowhere and you can't reason with him. He's not open to reason. You can't speak to him - he can't hear. You're tried by an empty bench. A blind mass running amuck, to crush you without sense or purpose. Steve Mallory couldn't define the monster, but he knew. That's the drooling beast he fears. The second-hander.

(Gail Wynand) I think your second-handers undestand this, try as they might not admit it to themselves. Note how they'll accept anything except a man who stands alone. They recognize him at once. By instinct. There's a special, insidious kind of hatred for him. They forgive criminals. They admire dictators. Crime and violence are a tie. A form of mutual dependence. They need ties. They've got to force their miserable little personalities on every single person they meet. The independent man kills them - because they don't exist within him and that's the only form of existence they know. Notice the malignant kind of resentment against any idea that propounds independence. Notice the malice towards an independent man. Look back at your own life, Howard, and at the people you've met. They know. They're afraid. You're a reproach.

(Howard Roark) That's because some sense of dignity always remains in them. They're still human beings. But they've been taught to seek themselves in others. Yet no man can achieve the kind of absolute humility that would need no self-esteem in any form. He wouldn't survie. So after centuries of being pounded with the doctrine that altruism is the ultimate ideal, men have accepted it in the only way it can be accepted. By seeking self-esteem through others. By living second-hand. And it has opened the way for every kind of horror. It has become the dreadful form of selfishness which a truly selfish man couldn't have conceived. And now, to cure a world perishing from selflesness, we're asked to destroy the self. Listen to what is being preached today. Look at everyone around us. You've wondered why they suffer, why they seek happiness and never find it. If any man stopped and asked himself whether he's ever held a truly personal desire, he'd find the answer. He'd see that all his wishes, his efforts, his dreams, his ambitions are motivated by other men. He's not really struggling even for material wealth, but for the second-hander's delusion - prestige. A stamp of approval, not his own. He can find no joy in the struggle and no joy when he has succeeded. He can't say about a single thing: 'This is what I wanted because I wanted, not because it made my neighbors gape at me.' Then he wonders why he's unhappy. Every form of happiness is private. Our greatest moments are personal, self-motivated, not to be touched. The things that are sacred or precious to us are the things we withdraw from promiscuous sharing. But now we are taught to throw everything wiithin us into public light and common pawing. To seek joy in meeting halls. We haven't even got a word for the quality I mean - for the self-sufficiency of man's spirit. It's difficult to call it selfishness or egotism, the words have been perverted, they've come to mean Peter Keating. Gail, I think the only cardinal evil on earth is that of placing your prime concern with other men. I've always demanded a certain quality in the people I liked. I always recognized it at once - and it's the only quality I respect in men. I chose my friends by that. Now I know what it is. A self-sufficient ego. Nothing else matters."

(Ayn Rand, "The Fountainhead")

10.4.04

Chafariz

Da primeira vez que li The Fountainhead, não consegui prestar atenção em nada além da oposição fundamental entre o tipo Howard Roark e o tipo Peter Keating. As pessoas em geral têm idéias morais muito difusas, e embora eu pense um pouco mais em casos-limite do que as pessoas ao meu redor, não tenho ainda uma teoria mais geral do que é certo.

Os efeitos da identificação são difíceis de separar: até que ponto eu encontrei em Howard Roark um reflexo da minha própria filosofia de vida, e até que ponto o seu heroísmo fulgurante influenciou a forma como enquadro esses problemas de moral?

O que é nítido que apenas depois dessa leitura, passei a procurar Peter Keating, Dominique Francon e Ellsworth Toohey nas pessoas que demonstravam alguma força. A moral é uma expressão do pessimismo, e embora fosse uma taxonomia útil, não era conceitualmente diferente de procurar Oliver e Laurel Hardy. Em vários pontos, julguei erradamente pessoas como peterkeatings, e só passei a entender o impulso pragmático, insensível de algumas pessoas depois de tomar contato com um sistema taxonômico mais sofisticado - o MBTI.

Claro, por sua vez, o MBTI me trouxe a idéia de que o conjunto de motivações gerais que estão por trás das opções das pessoas passa paralelamente ao plano da moral. A linguagem clínica da psicologia funcional tem dessas coisas: naturaliza a ação humana como se esta não fosse por definição ação, sujeita a julgamento.

O MBTI me fez aceitar alguns peterkeatings na minha vida. E pode ser um pouco doloroso romper com hábitos intelectuais tão otimistas e simplificadores quando o amoralismo psicológico. E claro, as pessoas deixam marcas. Não tenho o foco irresistível de um Howard Roark (um personagem idealizado, claro), e pessoas vão se tornando importantes por razões inteiramente irracionais.

Decisões envolvem dor. Eu vou passar a vida inteira me acostumando à idéia.

Enfim. Estou lendo The Fountainhead de novo, e passando ao largo da filosofia moral. O que mais tem me impactado é a densidade da civilização e como ela se expressa na arquitetura. De fato, meus sentidos têm se aberto, embora ainda não tenha propriamente uma educação arquitetônica, e tenho começado a fazer pequenas tentativas de juízo.

Às vezes, a forma como penso em arquitetura me lembra a forma como algumas pessoas mais simples pensam em música - não como um sistema complexo de significados que começam nas opções teóricas mais profundas, passam pela construção formal e desembocam no sistema de gêneros e referências em que uma determinada obra se situa, mas simplesmente como um barulhinho organizado que agrada ou desagrada.

Tenho tomado caminhos muito mais longos que o necessário na saída do IPEA, para passar pelos meus prédios favoritos no Centro. Ainda não entendo o suficiente para esboçar um comentário, e talvez me impacte mais o clima, o mood de todo um ambiente formado por várias construções de contextos arquitetônicos completamente diferentes, do que a inteligência de um prédio específico.

E como todo garoto que descobre as dissonâncias e o heavy-metal, me atraem estruturas que quebram a coerência de uma landscape, estruturas que não deveriam estar lá num mundo perfeitamente coerente.

O Ministério da Fazenda é um pedaço de história nazista no meio de uma paisagem ensolarada que parece contradizê-la, a abundância de relógios em caracteres germânicos é testemunha de um projeto de desenvolvimento que esqueceu das pessoas para quem era pensado, e os imensos cinzeiros em forma de piras funerárias são um comentário irônico sobre a própria natureza da política.

O chafariz gigantesco na Cinelândia é uma colagem desproporcional, um relógio derretendo - uma combinação de classicismo e absurdo que foi feita com maior e menor bom senso nas artes plásticas, mas que me agrada por injetar um pouco de caos no cotidiano apressado destas pessoas todas que vivem sem sentido.

Eu poderia estar mais feliz. Mas a felicidade é por vezes contraproducente, e talvez seja verdade que nada importante acontece sem um batismo de fogo e gelo. No médio prazo, preciso aprender a lidar com as minhas emoções, mas por enquanto, aprender a ouvir a arquitetura já torna a vida uma experiência muito mais carregada de sutilezas e meios-tons.