Anacoluto: caffeine for the mind, pizza for the body, sushi for the soul.

"We're not, as some people maintain, obsessed with pop culture so much as we're obsessed with its possibilities for stratification and dateability." (Thurston Moore)

29.11.02


Invictus

OUT of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

(William Ernest Henley. 1849–1903)

26.11.02

As pessoas têm uma relação emocional demais com a chuva.

Há a chuva poética. Em geral experimentada quando a observamos de uma janela, protegidos por uma sala seca. O cinzento do céu nublado se refletindo em cada gota de água que cai, uma sensação de distância, de nostalgia, como se estivéssemos em uma realidade seca fora da realidade concreta e molhada da chuva. Lembro de como me pareciam excitantes umas fotografias em preto-e-branco, muito granuladas de gente correndo pela praça do Kremlin nos dias da revolução de Outubro. Algo tão diferente da pasmaceira, do comodismo, da mediocridade ao meu redor...

Um pouco distinta é a chuva libertária. Afinal, é só água. Andar deliberadamente pela chuva pode ser uma experiência fantástica, algo que te faz sentir livre, algo que te faz sentir vivo, principalmente se houverem pessoas ao teu redor te olhando e achando-te louco. A água. A água. Que parece cair do nada, do vazio, do ar mesmo. Mas a chuva só é libertária até que estamos bem ensopados e os ossos começam a doer.

De qualquer maneira, é radicalmente diferente a sensação da chuva na qual você entra por loucura, por espírito libertário, e a chuva que te pega de surpresa, quando o que mais se queria era estar seco.

A verdade é que a chuva fragiliza. Ela é muito bonita quando estamos sequinhos e protegidos, pode ser excitante por alguns minutos em que optamos pela água. Mas ela incomoda depois de um tempo, incomoda se não nos deixa escapatória, incomoda se sentimos frio, se as roupas aderem ao corpo, se os nossos papéis se transformam em uma única massa de papel molhado. Todas as emoções associadas à chuva poética e à chuva libertária só estão lá porque estamos, em primeiro lugar, desafiando o papel tradicional da chuva de imprevisto indesejável e ao mesmo temos a nossa janela de fuga para o seco a qualquer hora.

O Lula é como a chuva.

A diferença é que só ficaremos nela, compulsóriamente, por um bom tempo. É difícil dizer quando as nossas roupas secarão, depois de quatro anos de chuva. Ou quando os ossos deixarão de doer.

25.11.02

Retribuição:

Guidalli.com

Vocês sabem, foi por ler alguns blogues como esse que tive vontade de fazer um. Como disse na minha introdução, tinha, no passado, a sensação de que blogs só produziam autocomiseração estritamente pessoal.

O Guidalli ajudou a recuperar a minha fé perdida no poder subversivo da Internet. Essas coisas ajudam a manter acesa - usando uma imagem gasta e estereotípica, mas tenho muito o que fazer hoje - a chama da esperança.

24.11.02

Como o David Byrne, I hate people when they're not polite.

O pior é que deve parecer uma estratégia oblíqua de divulgação. Não, não, não, eu não tinha a menor intenção de fazer "divulgação" explícita deste blogue.

Não na lista CINEMABRASIL. Acontece apenas que eu coloquei o endereço na minha assinatura automática porque escrevo muito para várias listinhas de grupos pequenos - economia da PUC, comunicação da UFF, fãs de progressivo, operadores da bolsa. É por isso que há uma referência aos tais dos profissionais do cinema como "chacais famintos". No fundo, são pessoas pleiteando recursos públicos para objetivos os mais privados possíveis.

É um escândalo que "Avassaladoras" tenha sido bancado pelo governo pelo mesmo motivo que seria um escândalo se um disco do Kid Abelha fosse bancado pelo erário público. É errado.

E o Diogo Mainardi, sejam quais tenham sido seus resultados estéticos (não vi o filme), provou que não é necessário.

De qualquer maneira, eu vinha tentando abrir espaço para esse tipo de argumento na lista CINEMABRASIL de uma forma inteiramente distinta. Não se insulta de frente as pessoas que você quer convencer. Tenho, sim, a impressão de que a discórdia é desencorajada porque todo mundo pode vir a precisar de todo mundo no futuro, e isso significa claramente um incentivo à desonestidade intelectual. Diz o meu Amigo Kauffie que eu tenho um complexo de mártir. Weeell, eu sou muito menos forte que isso. Daí eu optar pela discussão razoável em listas de e-mail, e não por gritaria nos debates do CBC ou protestos criativos como invadir o Brasil Documenta com dez mendigos nus.

Talvez quando estamos tentando persuadir, a discussão razoável seja um substituto ruim para a gritaria e as técnicas de persuasão irracional da publicidade e da ideologia. Mas na busca da tal da verdade (que em paz descanse), a discussão razoável é bem mais útil, e, se sofisticada o suficiente, bem mais agradável. É difícil separar os dois objetivos, e isso foi colocado melhor pelo d.a. levy: verdade e auto-percepção são como dois pássaros tentando deixar o planeta porque estão cansados de morrer.

É claro que o cara meteu uma bala no crânio em 1968. Pra não fazer isso, eu larguei o mundo do cinema altogether. Terei, pelo menos, os prêmios de consolação da cultura de consumo: todos os pedais de guitarra que o dinheiro pode comprar.

Mas a discussão razoável se esgota quando fundimos as premissas com as conclusões, formando um discurso que se auto-alimenta. A é verdadeiro porque B é verdadeiro, e B é verdadeiro porque já tínhamos estabelecido que A é verdadeiro, certo? E então o debate deixa de acontecer.

A cronologia dos fatos segue. Em primeiro lugar, o Dioclécio envia um texto já completamente off-topic acusando a mídia de ser parcial contra o Lula. Mesmo depois de sua eleição. Ora, que tipo de discurso é esse que nos previne que qualquer crítica ou acusação que a imprensa pode fazer é automáticamente mero resultado da parcialidade dos meios de comunicação em favor das "elites tradicionais" e essas coisas todas? Nessa, e em várias outras coisas, sinto um discurso que prepara para a censura. É fato, concreto, que pelo menos um site na Internet que fazia oposição ao Lula foi fechado sob ameaça de custoso processo por parte do sr. André Singer.

E muita gente defendeu a atitude do PT.

Isso me preocupa, com sinceridade. Eu me meto em muitos debates porque os sinto intelectualmente excitantes, mas isto é real, premente e inescapável. Sistemas que se auto-perpetuam reprimindo a crítica são di-ta-du-ras. Pronto, falei.

Eu tenho que reagir a esse tipo de discurso simplesmente porque é o papel de todos que percebem o perigo. Sei que o que posso fazer é pouco. Mas, em vez de responder ao tópico, o Dioclécio optou por se queixar de um comentário maldoso. E assim prosseguem os off-topics. Até que o observador distraido não perceba que diabos esse maluco está falando sobre silepses.

E isso reforça o velho consenso das quietas certezas que nunca foram reviradas.


if they ever organize
the fine arts council, even
the poets will be kept in line
like they are in cleveland
its so easy to convince poets
what poetry is
and what it isnt
& everyone knows
sleeping with the muse
is only for young poets
after you've been kept impotent
by style & form & words like "art"
after being published by the RIGHT publishers
and having all the right answers
after youve earned the right to call yrself
a poet yr dead
& lying on yr back
drinking ceremonial wine, while
the muse, who is always a young girl
with old eyes into the universe
suddenly remembers necrophilia
is an experience shes had before
& shes not interrested
in straddling corpses anymore

(d.a. levy, suburban monastery death poem)

"O que aprendemos da experiência depende do tipo de filosofia que trazemos a ela. Logo, é inútil apelar à experiência antes de elaborarmos, dentro das nossas possibilidades, a questão filosófica." (C.S. Lewis)

22.11.02

Trecho de Psicologia do fanatismo, por Olavo de Carvalho:

"(...) a filiação dá ao fanático uma localização e um ponto de apoio no espaço externo: pela ideologia coletiva ele se integra tão bem no mundo, que nunca se sente isolado e estranho senão pelo curto intervalo de tempo necessário a reconquistar o sentido da sua missão partidária e de seu lugar na História, jogando fora com desprezo o momento de "morbidez". Jamais deslocado neste mundo, ele não aspira a nenhum transmundo senão sob a forma de um futuro cronológico a ser realizado neste mesmo plano de existência. Nada o arraiga mais profundamente na temporalidade, no histórico, do que sua rejeição do presente, contra o qual ele brada: "Um outro mundo é possível", querendo dizer, precisamente, que se trata deste mesmo mundo, tão logo subjugado pelo seu partido. Kant, com ironia involuntária, denominava o espírito da Revolução "sabedoria mundana". A compressão do infinito no finito não poderia ser mais explícita do que no verso do poeta comunista Paul Éluard: "Há outros mundos, mas estão neste." Não poderia? Poderia. Gramsci já apregoava "a total mundanização do pensamento". O fanático, nesse sentido, é desprovido daquela solidão, daquela profundidade, daquela tridimensionalidade próprias dos que "estão no mundo, mas não são do mundo". Ele, ao contrário, pode "não estar" no mundo, mas, com toda a intensidade do seu ser, "é" do mundo."

Pelo menos o Geddy ainda está magro.
Quer dizer, os Yes envelheceram e ficaram com cara de respeitáveis. Os Rush envelheceram e ficaram decrépitos. Isso aí ao lado é o Neil Peart, eu juro.

É bom que eles não envelheceram como músicos, e ainda assumem riscos inacreditáveis como um "Vapor Trails" sem solos de guitarra e tecladeiras de efeito dramático, construído só em cima de texturas de guitarra.
Não que eu tenha qualquer coisa contra tecladeiras, mind you, antes de ser guitarrista sou um tecladista frustrado. Mas que ajudaram muito a diluir a discografia do Rush, ah, isso ajudaram. O Geddy nunca teve lá muito bom gosto como tecladista.

21.11.02

Citação aleatória de Anouilh do dia - ou, lições sobre a natureza do poder para o ex-eterno candidato.

CRÉON: Un matin, je me suis réveillé roi de Thèbes. Et Dieu sait si j'aimais autre chose dans la vie que d'être puissant...

ANTIGONE: Il fallait dire non, alors!

CRÉON: Je le pouvais. Seulement, je me suis senti tout d'un coup comme un ouvrier qui refusait un ouvrage. Cela ne ma pas paru honnête. J'ai dit oui.

ANTIGONE: Eh bien, tant pis pour vous. Moi, je n'ai pas dit "oui"! Qu'est-ce que vous voulez que cela me fasse, à moi, votre politique, votre nécessité, vos pauvres histoires? Moi, je peux dire "non" encore à tout ce que je n'aime pas et je suis seul juge. Et vous, avec votre couronne, avec vos gardes, avec votre attirail, vous pouvez seulement me faire mourir, parce que vous avez dit "oui".
(...)
CRÉON: Eh bien, oui, j'ai peur d'être obligé de te faire tuer si tu t'obstines. Et je ne le voudrais pas.

ANTIGONE: Moi, je ne suis pas obligée de faire ce que je ne voudrais pas! Vous n'auriez pas voulu non plus, peut-être, refuser une tombe à mon frère? Dites-le donc, que vous ne l'auriez pas voulu?

CRÉON: Je l'ai dit.

ANTIGONE: Et vous l'avez fait tout de même. Et maintenant, vous allez me faire tuer sans le vouloir. Et c'est cela, être roi!

CRÉON: Oui, c'est cela!

ANTIGONE: Pauvre Créon! Avec mes ongles casses et pleins de terre et les bleus que tes gardes m'ont faits aux bras, avec ma peur qui me tord le ventre, moi je suis reine.

CRÉON: Alors, aie pitié de moi, vis. Le cadavre de ton frère qui pourrit sous mes fenêtres, c'est assez payé pour que l'ordre règne dans Thèbes. Mon fils t'aime. Ne m'oblige pas à payer avec toi encore. J'ai assez payé.

ANTIGONE: Non. Vous avez dit "oui". Vous ne vous arrêterez jamais de payer maintenant!
(....)
ANTIGONE: Je suis là pour vous dire non et pour mourir.

CRÉON: C'est facile de dire non!

ANTIGONE: Pas toujours.

CRÉON: Pour dire oui, il faut suer et retrousser ses manches, empoigner la vie à pleines mains et s'en mettre jusqu'aux coudes. C'est facile de dire non, même si on doit mourir. Il n'y a qu'à ne pas bouger et attendre. Attendre pour vivre, attendre même pour qu'on vous tue. C'est trop lâche

Raios de falta de senso tecnológico. Já transformaram o ICQ Lite em bloatware de novo. Você sabe, o ICQ Lite foi lançado porque o ICQ tinha ficado grande demais, pesado demais, gordo demais, com recursos inúteis demais. Vários dos recursos inúteis foram incorporados ao ICQ Lite agora. Grrrrr.

Peguei o novo do Pearl Jam. Ainda estou ouvindo a segunda metade.

Bem, vamos lá. A primeira metade é decepcionante. As baladinhas soam contritas, e os números hard-rock soam ainda mais fabricados que os do "Ten", o único outro disco do Pearl Jam que conheço. Embora o riff de "Save you" seja legal. Eu já estava desistindo, quando chegou "You are". Uma música só do Matt Cameron! Sempre me decepcionou como o Matt Cameron nunca deu ao Pearl Jam aquela organicidade caleidoscópica vista no Soundgarden - pelo menos no "Superunknown", que poderia ser um disco só de bateria e ainda ser muito fantástico.

"You are" é estruturada em torno de um riff fraturado, solto, numa guitarra hiper-processada, aparentemente tocada pelo próprio Cameron. Tenho o tempo inteiro a impressão de ouvir "a poisoned flower", mas parece que isso não está em lugar nenhum. Mas, bem, a letra vale, as far as Pearl Jam goes, e é tão diferente de qualquer coisa Pearl Jam antes que fico com muita vontade de ouvir um disco solo do Matt Cameron. Eu diria que "You are" está para o Pearl Jam como "Numb" esteve para o U2. É uma banda se reinventando.

Aquela coisa de guitarra processada, dando uma aura mezzo-eletrônica continua em "Wanted to get right", também do Cameron. Coincidência ou não, segue "Green disease", um número que lembra um pouco Buzzcocks ou o primeiro Siouxsie and the Banshees. Pouco inspirado - e do Vedder. O Jeff Ament tem duas músicas - uma baladinha até interessante, com vocais processados, um clima meio Black Heart Procession, e um riff ascendente no refrão fantástico. Essa baladinha é seguida por "Bushleaguer", do Stone Gossard, que é mais um clima, uma mood levada por um longo recitativo que acho que fala de política. "He''s not a leader, he's a Texas leaguer" - isso e o título dão uma pista.

Segue "Half full", um número que parece Pearl Jam clássico, da época do "Ten", e no entanto é a outra música do Ament. Tem um interlúdio meio gospel chamado "Arc" antes de "All or none", um número Pearl Jam típico e menos inspirado do Gossard. Eu fico com a sensação de que o álbum fica dividido entre personalidades distintas de cada membro. "Ten" me pareceu coeso, e se não olhasse na Allmusic, não saberia que também tem músicas só do Ament e só do Gossard. A primeira metade do disco, que é quase toda ruim - exceto por "Cropduster" - de quem? do Matt Cameron - tem ainda uma baladinha escrita pelo tecladista convidado.

E todas as músicas do Vedder são insuportávelmente ruins. If you ask me, era melhor deixar o Matt Cameron escrever todas as canções.

20.11.02

Dois desenhos originais do Cartoon Network que me fascinam. "Coragem, o cão covarde" (perro maricón, no dizer da minha mãe), e "Sheep na Cidade Grande". Unidos pela sitar. Em "Coragem", é a velha (não lembro o nome dela, só o do velho, que é Eustáquio), que em um episódio é inclusive convidada a se apresentar para um show, e fica sem saber que foi tomada como refém por uma abelha gigante para forçar o cão Coragem a ir buscar o Pacote.

Em "Sheep na cidade grande", é um hippie sentado numa esquina que toca a sitar, e às vezes narra as aventuras da ovelha em uma canção. Sheep é um seriado bastante sofisticado, e reincorpora de forma pós-modernosa, sem as tentações da sátira, os tótens narrativos dos desenhos infantis. Sheep vive pela filosofia "Coisa de Hoje do Cartoon Network" (mais sobre isso outro dia), anda pelas ruas meio que sem saber que o General Específico (um desses trocadilhos que se perdem na tradução e ficam sendo coisas enigmáticas, General Specific) conspira contra ele. O General Específico tem uma máquina de guerra movida a carneiro. Sim, o combustível da máquina de guerra do General Específico é carneiro.

O mais divertido de "Sheep" é o locutor, que narra constantemente a história, e às vezes interrompe para intervalos comerciais bizarros de coisas inúteis. É delicioso.

Ainda no capítulo TV, dois quiz shows que são mais ou menos a mesma coisa que os quiz shows tradicionais, e ao mesmo tempo têm textura dramática diferente, se desenrolam de forma diferente. O clássico é "Saber y ganar", da TVE espanhola. Absurdamente difícil. Lembro da época de escola, quando eu e meu only friend Ricardo Hazan (que hoje serve a marinha finlandesa num submarino) torcíamos por algum fulano que era incrível, bateu todos os recordes, chegou ao prêmio máximo de un millón de pesetas e foi tema de um programa dedicado a ele, em que os participantes tiveram que responder perguntas sobre a sua trajetória no programa.

O recente é "National Geo-Genius", da National Geographic. Também é bem difícil, e pra piorar é limitado a um tema só. Em vez de acumular pesetas, os competidores vão acumulando milhas, e ao longo de cada programa, tentam dar uma volta simbólica ao mundo partindo de um ponto qualquer. A cada n perguntas certas, o competidor segue em frente. A apresentadora parece bastante com a Beth Gibbons do Portishead, e é insuportávelmente arrogante.

Mas, bem, é dessas coisas que se alimenta o gosto pós-modernoso por cultura kitsch. Grande parte da graça está na forma como a gente lê esses textos, está na perspectiva de uma certa self-awareness de consumidor de cultura boçal. É uma coisa tarantínica. Já viu termo mais difícil de traduzir do que "self-awareness"?

Cena matutina de feriado municipal. Int dia, cozinha subterrânea daquele seriado do Multishow, Absolutely Fabulous. Por algum daqueles motivos bizarros de comédia britânica, o Eric Hobsbawm resolve visitar a Saffron (raios, ela já recebeu o Tony Blair naquela cozinha), e são interrompidos pela mamãe Eddie que despenca pela escada, apenas para se levantar e dizer qualquer coisa do tipo "Oh, hey Hobs."

Qual será o apelido do Hobsbawm entre os amigos? Hobbie? Bawmie?

Infame, eu sei. E eu fico escrevendo essas coisas em vez de estudar história. Culpa de Bela Fleck e seu "Blu Bop". Vocês sabem, Bela Fleck pode ser o mais importante músico americano desde Charlie Mingus.

19.11.02

Há uns dois anos, escrevi um altissonante e agressivo "Manifesto Anti-blog". Não tenho mais o texto original, mas lembro relativamente bem dos argumentos principais que eu apresentava. A facilidade de publicar levava necessáriamente a um conteúdo raso, tolo, do tipo "sábado à noite beijei a fulana". Acho que dois anos atrás, eu ainda tinha alguma esperança na Internet, e me parecia realmente desnecessário levar quilos de lixo pessoal para consumo público.

Há qualquer coisa de muito significativo, em termos de produção cultural, na infinita redistribuição dos detalhes mais bobinhos da nossa vida pessoal pela Internet. Uma distopia orwelliana ao contrário. O fato é que eu fiz um manifesto, fiz campanha, talvez tenha até levado alguém que na época era amigo a desistir de escrever o blog que ele tinha pra dizer de vez em quando como odiava a própria vida.

Long story short.Mudei a minha vida, mudei o meu ambiente, deixei a faculdade de cinema para trás como um mundo em que todos são ou se tornam chacais famintos, mesquinhos, ruins, egoístas e falsos. E de certa forma rompi com todo mundo daquela época. Tive, sim - não sei se ainda tenho, se continuarei - um projeto alternativo a um blog que era um zine por e-mail para aquelas pessoas do passado na City. Tentei, também, um site, com fundo vermelho, um logotipo interessante, e vários inícios de textos que nunca se acabaram porque eu passava tempo demais definindo categorias, fazendo pesquisa e reflexão, e nunca acabava de fazer nada. Era grande demais para os meus recursos de tempo, preparação e paciência.

Foi uma época de transição estranha, mas finalmente passou, e a CT - aquele emailzine de circulação restrita - esvaziou-se. E há um número de pessoas do meu novo mundo que servem como público-alvo para um novo projeto, mais informal, mais solto, mais ad hoc num sentido hayekiano da coisa. Não estudo mais cinema, não sou mais o lumpen-intelectual subversivo dos tempos do IACS, e como estudante de economia, nem tenho sido tão brilhante assim.

E ainda assim, I've got an angry inch. Vontade de fazer muita coisa e dizer muita coisa. O formato do blog me permite ser menos metódico, e isso ajuda muito. O meu livro sobre o Nine Inch Nails se perdeu num ensaio sobre objetivos e limites da crítica de rock, mas eu posso falar de música de forma simples e espontânea no blog.

E, lição número um sobre o mundo de Diego Navarro, ele é obcecado por música. E coletâneas. Coletâneas são uma forma de arte.

Enquanto digitava esta pequena introdução, passaram pelo aleatório do player de "Dancing with the moonlight knight", do Genesis (de onde sai a citação do título), "Mon mec à moi", da Patricia Kaas (chanson francesa brega with a revenge), "Maybellene", do Chuck Berry, "Angry Inch", do filme "Hedwig", e está tocando agora "Close to the Edge" do Yes.

Visto de fora, o ecletismo me parece uma desculpa ruim pra não ter gosto específico nenhum. Gostaria de ser mais radical com algum gênero, mas as coisas que ouço acabam sendo tão espalhadas no espectro quanto todas as minhas outras preocupações. E bem, como introdução, isso está bom o suficiente.